A mesma tradição ocidental que colocou como valores universais a igualdade, a liberdade, os direitos naturais e a democracia colocou em campo também o mais destrutivo e niilista dos modos de produção – o capitalismo. O que Marx chama de “princípio sem princípios” da livre troca tem sinais trocados no marxismo – pra mim Marx parece sempre ouvir o galo cantar, mas além de usualmente não saber aonde, às vezes toma o galo por cisne ou por corvo. Marx parece acreditar que o capitalismo resulta também numa sociedade de livre pensamento, uma vez que os valores passam a ser também mercadorias, e, uma vez que tenham mercado, qualquer coisa, idéia, valor, objeto ou matéria devem ter permissão de circular – de certa forma uma síntese acurada do “bom” capitalismo.
As velhas idéias libertárias da tradição ocidental realmente tiveram sua expressão máxima e sua nêmesis com o capitalismo – a livre troca deveria ser uma das liberdades fundamentais, mas a “vontade de poder” encontrou nela também a sua mais eficiente e mais baixa forma de expressão. Mas adotando a idéia marxista como metáfora simplificadora, poderíamos agir como consumidores exigentes de valores – no caso, a honestidade, a eficiência, idéias, posições e outras características básicas que deveríamos exigir na hora de “comprar” um deputado ou senador. Nessa mesma simplificação, o Sarney (é, rodeei, rodeei...) por exemplo está agindo como um vendedor espertalhão – a corrupção no Senado é só uma mais valia do mandato. Se ainda assim ele se “vende” como senador, se ainda encontra compradores, por que deveria sair do mercado? Nós, sociedade, estamos agindo como aqueles compradores que faziam a alegria dos comerciantes algumas décadas atrás: sem direito a reclamação, sem direito a troca, enfim, indefesos. A verdade é que enquanto houver consumidores de tais sujeitos, não poderemos devolvê-los como mercadoria estragada à lata de lixo da história.
Post Scriptum: abaixo, em sequência, o texto do Marshall Berman que eu estava lendo e que inspirou o post, dividido em quatro partes. É um capítulo do livro (ótimo) Tudo que é sólido desmancha no ar: A aventura da modernidade. Aliás, o post tá rescendendo a uma linguagem meio formal demais que é, acho, influência da produção pós leitura.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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