tag:blogger.com,1999:blog-50795554913737657222024-03-04T20:08:56.787-08:00Cadernos de GuerraMaxwell Sarmento de CarvalhoMaxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.comBlogger336125tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-60138063836191221112015-07-04T02:03:00.001-07:002015-07-04T02:03:39.980-07:00Maioridade penal e as raízes do mal, com o perdão da rima<br />
<br />
A discussão fora de lugar que confronta maioridade com impunidade é, desde sempre, simplista, mitificadora e maniqueísta. Não se quer impunidade; o que se discute é a melhor maneira de entender, educar, integrar, trazer de volta. E nesse "trazer de volta" está a raiz do mal: na maior parte das vezes, esses assassinos, estupradores e ladrões fazem parte da margem de um mundo, o nosso mundo, que nós mandamos que respeitem de longe, que não perturbem, mas cujos benefícios não os atingem - trazer de volta é uma tautologia porque essas pessoas nunca estiveram "aqui".<br />
A culpa objetiva, o ato em si, essas pessoas carregam: as motivações, impulsos, as forças ocultas, carregamos todos nós. "O homem é um animal enredado em uma teia de significados que ele próprio teceu", Geertz relendo Weber.<br />
Não somos ou nos imaginamos uma sociedade de justiceiros, guerreiros monstruosos, carrascos ou sádicos; mas como negar que, ao condenarmos milhões à irrelevância, ao sofrimento, à falta completa de estrutura, de esperança - de justiça - estamos empurrando essas pessoas ao limite, à margem, e as estamos expulsando da mesma sociedade cujas regras queremos que elas obedeçam e cuja desobediência queremos punir com gosto de sangue na boca?<br />
A prisão, a pena, são medidas reintegradoras. Parece uma piada dizer isso no Brasil, mas o que está por trás da doutrina é isso: "pague-se a dívida" com a sociedade, repare o erro. Uma espécie de batismo cristão com duração prolongada: lave-se os pecados, reerga-se cidadão, tábula rasa. Ok, não funciona assim. Voltamos à parte da sociedade que manda respeitar de longe porque senão...<br />
Isso, sobre a ideia em geral do vigiar e punir, do conformar-se o todo às regras da sociedade. Agora, as crianças: há realmente lógica em punir alguém que mal entende as raízes do mal que comete? Alguém cujos impulsos não foram refreados, cujos apetites não foram educados, cujo sofrimento e angústia jamais tiveram explicação ou consideração? Acuados, sofrendo, sem limites ou regras, opõem-se à sociedade opressora que lhes manda passar fome ou necessidade ou sofrimento - ou mesmo angústia, insatisfação - da maneira que podem. Sem nada a lhes refrear, vão até os limites naturais pela sobrevivência, que são aqueles mesmos da barbárie.<br />
Ao reconhecer nesses nossos filhos somente o bárbaro marginal e a barbárie, sem reconhecer neles o nosso reflexo, pecamos e falhamos, com eles, conosco, com nosso futuro. Perdemos a chance de reconhecer neles o retrato de Dorian Gray, que é o nosso retrato, nossos atos, nossas escolhas, nossas opressões. Perdemos a chance de estender a mão e educar, ensinar, integrar.<br />
E estamos perdendo a batalha porque devemos, para ter sucesso, trazer essas pessoas de volta. E não há para onde voltar, porque destruímos o passado, o presente e o futuro delas. Antes e ao lado do educá-las, temos que nos educar e nos reintegrar como humanos, civilizados, ter um lugar conjunto para onde possamos voltar, todos nós. Senão, melhor que se armem, os pequenos e grandes marginalizados, menores e maiores, e tomem de assalto uma sociedade que não é para eles, como uma cidadela de privilégios e injustiças. E que caia essa nossa Bastilha hipócrita.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-78941123054803108252014-08-26T05:54:00.001-07:002014-08-26T15:20:48.254-07:0042, not out!<div dir="ltr">
<div class="gmail_quote">
<div dir="ltr">
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">A antiga alquimia via algo de mágico nesses quadrados onde, independente da direção, todas as somas se igualam. </span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/--tVBv17Mo18/U_0Hx8cgmCI/AAAAAAAAKe0/DTiXpc4Jy3U/s1600/MagicSquare42.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/--tVBv17Mo18/U_0Hx8cgmCI/AAAAAAAAKe0/DTiXpc4Jy3U/s1600/MagicSquare42.png" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">Aniversário sempre é um momento meio mágico, pra mim, contido nesse frase roubada do Stephen Fry, dessa vez "42, not out". Continuamos. Às vezes só viver é que é pleno, sendo descrever esse viver o "desvario laborioso e empobrecedor", do Borges, para quem, aliás, a invenção de Deus superava qualquer outra invenção da história da literatura. Assim também com as vidas humanas, essa incrível multiplicidade de caminhos & destinos, pensamentos, desejos, frustrações... lindo, isso. </span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">1.</span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div align="center" style="line-height: 130%; margin: 3pt 0cm; text-align: center;">
<span style="color: black;"><span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10pt; line-height: 130%;">Um galo sozinho não tece uma manhã: <br /> ele precisará sempre de outros galos. <br /> De um que apanhe esse grito que ele <br /> e o lance a outro; de um outro galo <br /> que apanhe o grito de um galo antes <br /> e o lance a outro; e de outros galos <br /> que com muitos outros galos se cruzem <br /> os fios de sol de seus gritos de galo, <br /> para que a manhã, desde uma teia tênue, <br /> se vá tecendo, entre todos os galos.</span><span style="font-family: "Bookman Old Style","serif";"></span></span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div align="center" style="line-height: 130%; margin: 3pt 0cm; text-align: center;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10pt; line-height: 130%;"><br /><span style="color: black;"> 2</span></span><span style="font-family: "Bookman Old Style","serif";"></span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div align="center" style="line-height: 130%; margin: 3pt 0cm; text-align: center;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 10pt; line-height: 130%;"><br /><span style="color: black;"> E se encorpando em tela, entre todos, <br /> se erguendo tenda, onde entrem todos, <br /> se entretendendo para todos, no toldo <br /> (a manhã) que plana livre de armação. <br /> A manhã, toldo de um tecido tão aéreo <br /> que, tecido, se eleva por si: luz balão.</span></span><span style="font-family: "Bookman Old Style","serif";"></span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<br /></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">A impermanência e seu oposto, que não é a infinitude, mas a plenitude, se encontram no fim, Ouroboros devorando a própria cauda, como os antigos indianos sabiam bem. </span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;"> </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-mKiu6m5UkxU/U_0H5UF4k6I/AAAAAAAAKe8/9jfnkfYmtQE/s1600/Ouroboros-dragon-serpent-snake-symbol-716x400.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-mKiu6m5UkxU/U_0H5UF4k6I/AAAAAAAAKe8/9jfnkfYmtQE/s1600/Ouroboros-dragon-serpent-snake-symbol-716x400.jpg" height="178" width="320" /></a></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">Termino com um roubo e uma pergunta, cada vez mais retórica, na voz de Mestre Caeiro:</span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;"> "Fiquei atónito, e apontei-lhe várias semelhanças entre o materialismo e a doutrina dele, salva a poesia desta última. Caeiro protestou.<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Mas isso a que V. chama poesia é que é tudo. Nem é poesia: é ver. Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é infinito. Onde é que eles viram isso no espaço?»<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">E eu, desnorteado. «Mas V. não concebe o espaço como infinito? Você não pode conceber o espaço como infinito?»<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Não concebo nada como infinito. Como é que eu posso conceber qualquer coisa como infinito?»<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Homem», disse eu, «suponha um espaço. Para além desse espaço há mais espaço, para além desse mais, e depois mais, e mais, e mais... Não acaba...»<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Por quê?», disse o meu mestre Caeiro.<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">Fiquei num terramoto mental. «Suponha que acaba», gritei. «O que há depois?»<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Se acaba, depois não há nada», respondeu.<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">Este género de argumentação, cumulativamente infantil e feminina, e portanto irresponsável, atou-me o cérebro durante uns momentos.<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Mas V. concebe isso?», deixei cair por fim.<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«se concebo o quê? Uma coisa ter limites? Pudera! O que não tem limites não existe. Existir é haver outra cousa qualquer, e portanto cada coisa ser limitada. O que é que custa conceber que uma coisa é uma coisa, e não está sempre a ser uma outra coisa que está mais adiante?»<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">Nessa altura senti carnalmente que estava discutindo, não com outro homem, mas com outro universo. Fiz uma última tentativa, um desvio que me obriguei a sentir legítimo.<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Olhe, Caeiro... Considere os números... Onde é que acabam os números? Tomemos qualquer número - 42, por exemplo. para além dele temos 43, 44, 45, 46, e assim sem poder parar. Não há número grande que não haja um número maior...»<br /><br /> </span><br />
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">«Mas isso são só números», protestou o meu mestre Caeiro.<br /> e depois acrescentou, olhando com uma formidável infância:</span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.5pt; line-height: 115%;">- O que é o 42 na Realidade?"</span></div>
<span style="color: black; font-family: Times New Roman; font-size: small;"> </span></div>
</div>
<br /></div>
Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-10606290588954980972014-02-16T11:47:00.000-08:002014-02-16T11:51:09.867-08:00A morte do meu pai John Donne escreveu certa vez, em uma de suas meditações: "Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Mesmo se apenas um mínimo torrão for lançado ao mar, a Europa ficará diminuída, como se aquele torrão fosse uma montanha, como se fosse a casa dos seus amigos ou a sua própria; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. Por isso, não me pergunte por quem os sinos dobram: eles dobram por ti."<br />
No dia 29 de janeiro dobraram, inelutavelmente, copiosamente, terrivelmente, por mim; meu pai se foi. Atravessou a cortina das realidades e tornou-se, ele próprio, parte da Terra que tanto amou; venceu-o a indesejada das gentes, faltaram-lhe as forças para continuar lutando - a imagem dos velhos guerreiros espanhóis que deveriam ser enterrados de pé, por não cederem nunca na batalha. Por tantos anos esteve entre a vida e a morte, por tantos anos sofreu - sofremos - por parecer que, finalmente, a batalha cessaria, e por tantas vezes e por tantos anos você ressurgiu, meu pai, que comecei a acreditar que venceria todas as contendas com a Velha da Foice. Ao invés de preparar-me para o inevitável, ao invés de aceitar que você, como todos nós, inevitavelmente se aproximava do mar, que você descansaria dessas fadigas, essas suas vitórias me acostumaram à sua permanência. Sinto hoje imensamente a sua falta.<br />
Você, papai, foi um dos grandes homens que conheci: um espartano, um que, sendo do sul de Minas, fez-se sertanejo (antes-de-tudo-um-forte), fez-se dos Geraes, um bravo, um dos que Diógenes não se negaria a iluminar com sua lanterna e reconhecer como sendo um homem verdadeiro. Como um homem verdadeiro, você tinha suas arestas, meu pai, suas "filosofias de vida", que, por anos, me enlouqueceram: somente estóicos ou lacônios conseguiriam te seguir. Com você, li pela primeira vez Marcus Aurelius, Zenon, Confúcio: todos respiravam o mesmo ar rarefeito das conquistas que você almejava como homem. Sem, que eu saiba, nunca ter lido Nietzsche, você abraçava com vigor a filosofia do alemão: torne-se quem você é. Vezes sem conta ouvi de você que "o Geraldão lá da frente" estava ficando distante e que você tinha que correr atrás dele; "o Geraldão lá da frente" era, sempre, uma espécie de além-do-homem, alguém que você admirava, alguém que você não tinha dúvidas de que você se tornaria, pois você nunca pensou em não alcançá-lo: a sua falta de modéstia era tão cândida que era em si própria uma virtude.<br />
Essas virtudes duras muitas vezes nos afastaram: certa vez concordamos, minha irmã e eu, que em sua lápide repousaria perfeitamente um poema do Bandeira, quase como se feito por encomenda:<br />
<blockquote class="tr_bq">
<i>Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:<br />Laocoonte constrangido pelas serpentes,<br />Ugolino e os filhos esfaimados.<br />Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...<br />Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.</i></blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<i>Um dia um tufão furibundo abateu-os pela raiz.<br />O cacto tombou atravessado na rua,<br />Quebrou os beirais do casario fronteiro,<br />Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,<br />Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas<br />[privou a cidade de iluminação e energia:</i></blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<i>- Era belo, áspero, intratável.</i></blockquote>
Então veio a doença, que o prostrou, que o deixou lutando pela vida a cada momento; e que ao mesmo tempo deixava de lado o cacto e mostrava a face dos carinhos e preocupações por nós que sempre existiram (porque a gente sabia que você era chorão, no fundo; nem todas as armaduras e pedras do sertão impediriam de ver que você se emocionava, muito, às vezes meio escondido, às vezes inteiramente). No início, e durante muito tempo, você chorava quando eu telefonava. Às vezes, me olhava com olhos quase infantis, com um carinho desmedido, aceitando finalmente abraços e emoções, tão alheios ao antigo jeito de ser da sua filosofia de vida. E sempre, agora já sem as forças de outrora, ria, imitando a risada outrora estrondosa, escandalosa, que se ouvia a quilômetros de distância.<br />
Porque sua risada ficará, meu pai, papai, entre tantas outras coisas... os meus romanos diziam que o que você faz na vida ecoa na eternidade: sua vida ecoará na minha, irá reverberar nos meus filhos, terá seus frutos e sons, terá suas memórias e dias, terá seus ditos e risos. Você agora faz parte da Terra, papai; aos poucos irá fazer parte dessas árvores e folhas, dos bichos e pássaros, e com a mesma força que existiu entre nós existirá para sempre nos seus Geraes, no seu norte, na sua terra natal. Que os Geraes aprendam com você a risada estrondosa e a alegria imensa de viver, e colora com novas tintas as nossas terras de ferocidades excepcionais.<br />
Quando meu coração parar de sangrar e eu puder parar de chorar tão copiosamente quanto agora, papai, meu pai, irei em um daqueles lugares dos Geraes que percorremos tantas vezes juntos e escolherei uma estrela para ser você. Vou colocar a mão na terra, Tellus, Gaia, o Sertão, os Sertões, e sentir você pulsar, e rir suas risadas, e vou deitar-me olhando aquele céu que amamos, ambos. Olharei com um amor infinito aquela estrela, papai, pois te amei infinitamente, te amo, te amarei - seu Geraldo, Geraldão, Barão das Ibiturunas, Geraldo do Calaboca, TA, papai. Descanse, meu pai, que você alcançou o seu Geraldo lá da frente. Descansem juntos, o homem e sua filosofia de vida - uma vida vivida plenamente, da qual me orgulho de ter participado e de ter vivido para ver, sentir, amar, pensar, rir, chorar. Fique em paz, meu pai: a vida foi sua por direito de conquista, assim também seu descanso.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-32896194622524530552014-01-16T14:41:00.001-08:002014-01-16T14:41:02.561-08:00Sobre os “rolezinhos"...<div dir="ltr"><p class="MsoNormal"> Um trecho de Yourcenar: "<span style="font-size:11.5pt;line-height:115%">o momento em que os bárbaros do exterior e os escravos do interior se lançarão sobre um mundo que lhes mandam respeitar de longe, ou servir como inferiores, mas cujos benefícios não são para eles". Um imperador romano refletindo sobre a decadência de seu império por "falta de generosidade"...</span><br></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:11.5pt;line-height:115%"> Os que são contra têm apenas medo ou se sentem como um império em decadência, uma elite ameaçada por quem ela manda respeitar de longe seu sistema de valores e quase-castas , a quem obriga a servir como domésticos, a quem acusa de "preguiçosos" por receberem "bolsas-esmola" do governo, a quem nega uma vida digna e a repartição justa e equânime do pão-nosso-de-cada-dia? </span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size:15px;line-height:17.633333206176758px"> </span><span style="font-size:15px;line-height:17.633333206176758px"> </span><span style="font-size:11.5pt;line-height:115%">Que venham os bárbaros, os nômades, e invadam logo esses espaços que pertencem a todos. Tem que chegar logo esse momento de que fala Yourcenar - um mundo que se deve respeitar de longe, mas cujos benefícios são para poucos é um mundo que merece ser invadido. Não é só filosofia que deve ser feita a golpes de martelo.</span></p></div> Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-14415078605657784552014-01-16T09:21:00.001-08:002014-01-16T09:21:06.683-08:00Leia Borges!<div dir="ltr"><font color="#000000" size="3" face="Times New Roman"> <p style="margin:0cm 0cm 10pt;text-align:justify" class="MsoNormal"><font face="Calibri"><span> </span>"O homem é a medida de todas as coisas" – o dito de Protágoras indica e implica o protagonismo do papel humano até o modernismo. Hoje diríamos que não o homem, mas a linguagem é que é a medida de todas as coisas. Pelo menos segundo os pós-modernos, e, mais especificamente e especialmente, Jorge Luis Borges. A sua prosa está cheia de uma espécie de cosmogonia do absurdo: o universo enquanto construto humano, inerentemente caótico, tendo ocasionais lapsos de regularidade. A dicotomia quase esquizofrênica entre sentido, percepção sensorial da realidade e a lógica do pensamento racional; entre ciência, linguagem e realidade.</font></p> <p style="margin:0cm 0cm 10pt;text-align:justify" class="MsoNormal"><font face="Calibri"><span> </span>O universo borgiano se fragmenta em múltiplas realidades, em espelhos, labirintos e no que eu chamo de "tocas de coelho" – pequenos fragmentos de texto que representam uma espécie de buraco negro espaço-temporal, que distorce e engole a lógica regular, o tempo ou a percepção do tempo. Esse universo é caótico porque sem sentido, mas não é sem ordem, mesmo que essa ordem venha de uma regularidade pontual. Ao contrário de ser uma nêmesis do pensamento ocidental e sua busca constante do racionalismo, representa mais uma faceta, que ouso dizer pretende-se última, desse mesmo pensamento. Borges nunca ataca suas tradições, antes as utiliza na construção e desconstrução das mesmas suposições, teorias e pensamentos que as formaram. Mas se não chega a ser um pensamento antagônico ao modernismo e sua paternidade iluminista, é com certeza um caminho alternativo.</font></p> <p style="margin:0cm 0cm 10pt;text-align:justify" class="MsoNormal"><font face="Calibri"><span> </span>As ficções borgianas indicam um universo onde o sentido advém unicamente de uma atribuição pessoal – as suas construções demonstram que a realidade percebida é uma farsa. Entretanto, demonstram também que <i>todo</i> o universo, toda a realidade, é em si uma farsa, pois depende da significação do participante para ter sentido e obtém validação unicamente dessa fonte. Ao explorar essa concepção em suas obras, Borges se utiliza de algumas técnicas:</font></p> <p style="margin:0cm 0cm 0pt 36pt;text-align:justify"><cite><span style="font-family:"Calibri","sans-serif";font-style:normal"><span>1)<span style="font:7pt/normal "Times New Roman";font-size-adjust:none;font-stretch:normal"> </span></span></span></cite><font face="Calibri"><i>Concepção do universo:</i> Borges fala sobre a realidade em vários de seus contos, e explicita sua cosmogonia particular diretamente ou através de alegorias – contos como <cite><span style="font-family:"Calibri","sans-serif"">A Biblioteca de Babel, Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, Pierre Menard, autor do Quixote, </span></cite></font><cite><span style="font-family:"Calibri","sans-serif";font-style:normal">etc.</span></cite><cite><span style="font-family:"Calibri","sans-serif";font-style:normal"></span></cite></p> <p style="margin:0cm 0cm 0pt 36pt;text-align:justify"><span><span><font face="Calibri">2)</font><span style="font:7pt/normal "Times New Roman";font-size-adjust:none;font-stretch:normal"> </span></span></span><font face="Calibri"><i>Tocas de coelho ou buracos negros</i>: fragmentos de texto onde a realidade e/ou a lógica e o espaço tempo se curvam e se turvam. Dom Quixote lendo sobre Dom Quixote; na noite 602 de <i>As mil e uma noites</i>; o mapa da Inglaterra de Josiah Royce; a enciclopédia chinesa d'<i>O</i> <i>Idioma Analítico de John Wilkins,</i> dentre outros.</font></p> <p style="margin:0cm 0cm 10pt 36pt;text-align:justify"><span><span><font face="Calibri">3)</font><span style="font:7pt/normal "Times New Roman";font-size-adjust:none;font-stretch:normal"> </span></span></span><font face="Calibri">As citações e notas de pé de página "fabricadas", isto é, inventadas e falsas, mas que não só estão em pé de igualdade com as referências reais como as explicam, dialogam com autores reais, se superpõem e se sobrepõem à realidade, como a nos desafiar a dizer qual delas está mais de acordo com a realidade – para depois nos apresentarem realidades alternativas.</font></p> <p style="margin:0cm 0cm 10pt;text-align:justify" class="MsoNormal"><font face="Calibri"><span> </span>Pessoalmente, gostaria de ter lido Borges numa época sem internet: essas <i>técnicas de construção de universos paralelos </i>funcionavam muito melhor numa época em que o leitor só tinha acesso ao próprio corpo de conhecimento ou a uma biblioteca próxima. Se for ler Borges, leia como se estivesse sozinho numa ilha: o que é real e o que é imaginário? O que é crível e "inteligente" somente por ter sido (supostamente) dito ou escrito por uma "autoridade"? Borges balança os alicerces de crenças e dogmas num labirinto de erudição e cultura às vezes falsa, às vezes lúdica, mas sempre de um modo imensamente interessante. Comece a ler Borges. Já. Mas obedecendo a um ótimo conselho do próprio Borges: <i>"El verbo leer, como el verbo amar y el verbo soñar, no soporta "el modo imperativo". Yo siempre les aconsejé a mis estudiantes que si un libro los aburre lo dejen; que no lo lean porque es famoso, que no lean un libro porque es moderno, que no lean un libro porque es antiguo. La lectura debe ser una de las formas de la felicidad y no se puede obligar a nadie a ser feliz"</i></font><span style="color:rgb(64,64,64);line-height:115%;font-family:"Georgia","serif";font-size:12.5pt">.</span></p> </font></div> Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-41056526872713309722013-08-27T02:54:00.001-07:002013-08-27T02:54:38.908-07:00<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">41, - Not Out! - Coletânea (de posts & anos) </span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Chegando agora aos 41, queria escrever algo, como estava fazendo nos últimos aniversários, continuando com os post de aniversários que começaram com "36 - Not Out!", algo como: com 36, não fora do jogo!, mas não tive tempo. Mas gostei tanto de escrever os anteriores que resolvi fazer uma coletânea, pois esse caminho de que eles falam continua o mesmo, e só não igual porque melhor. Aí vai:</span><br />
<br />
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 13px; font-style: italic; line-height: 24.75px;">(Sobre meu aniversário, hoje, 26 de agosto, acompanhado de Michael, João Lua, Max, Iara & outros mais...)</span><br />
<br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;" /><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">Parodiando o Millôr:</span><br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;" /><br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;" /><span style="background-color: white; color: white; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">...........................</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">Velhinho bacano</span><br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;" /><span style="background-color: white; color: white; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">.................</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">Ainda banca</span><br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;" /><span style="background-color: white; color: white; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">.............................</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">O ser humano</span><div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">...</span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: arial; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">Pois, pois, mais um ano: o tempo, esse senhor da razão, tem se esquecido de mim - se o dito comum é que a idade traz sabedoria, eu perdi todos os seminários - e estou cada vez mais desconfiado de que há uma imensa conspiração de velhinhos fazendo um silêncio suspeitíssimo. Dez contra um como é tudo jogo de cena e essa tal de maturidade é invenção. De qualquer modo, não parecia uma coisa divertida; esse negócio de servir de exemplo pra criancinhas deve ser um saco. </span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">...</span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">Como Borges, quero conhecer todas as maneiras que os homens inventaram de ser homem. No verso de Terêncio: </span><em style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">homo sum: humani nihil a me alienum puto.</em><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"> Sou homem: nada do que é humano me é estranho; nem alegrias nem tristezas, nem decepções nem surpresas, e gosto de pensar que ainda estou no início, dezenas e dezenas de anos ainda pela frente, a vela içada, o barco pronto, cada coisa em seu lugar. Metamorfoses: são os ossos do ofídio. Rocinante está mais gordo e já sorri para os moinhos de vento...</span><br style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;" /><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">A humanidade, essa imensa e caótica coleção de pecados e alegrias, sofrimentos, desilusões e descobertas, parece cada dia mais interessante. Borges dizia que "é um desvario laborioso e empobrecedor o de compor extensos livros, e espraiar em quinhentas páginas uma idéia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que esses livros já existem e oferecer um resumo, um comentário." Posso imaginar um Quixote lúcido, lucidíssimo, que ao avistar moinhos ainda assim os ataca - sua filosofia é encarnar os ideais da cavalaria, a nobreza e a bondade da alma humana - esse homem cuja vitória seria a vitória do homem procurado por Diógenes, o homem bom que a humanidade pode um dia ser, quem sabe. Sancho descobriria, como testamento desse homem incrível, uma única frase escondida em um pergaminho do seu capacete: "se não conseguir vencê-los, ao menos faça-os rir".</span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">...</span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">Mas tô longe da autocomplacência ou do medo da idade. Ainda exibo todos os sintomas da infância, inclusive um constante maravilhamento com o mundo, o encantamento com as pessoas & coisas e a completa ignorância do funcionamento de uma escada rolante. Algumas coisas passaram com o tempo, como o marxismo, o rock’n’roll, as pernas da Catherine Deneuve e o medo de alma – esse substituído por um salutar medo do que vai na alma das pessoas. Mas ainda tenho a capacidade de indignar-me com o mundo, de sofrer, de rir, de morrer de raiva das injustiças e de acreditar em amor à primeira vista ou mordida. </span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">...</span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">Então, ano novo pra mim, de armas e bagagens em cima de Rocinante, para as delícias, desafios, travessuras, dores e amores que por aí apontam. Fazer como Sócrates, que, ao ser condenado à morte, faltando cinco minutos para o fim, estava aprendendo a tocar uma ária na flauta: perguntado por um guarda o porquê de aprender aquela ária já que ia morrer em poucos minutos, ele retruca, espantado: “ora, pra saber essa ária antes de morrer!”</span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">...</span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;">A todos, que no próximo ano a vida lhes seja leve, e bela. E obrigado por fazê-la assim para mim nesse ano que passou. E mais que todos, sempre, Mari.</span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
<div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 24.75px;"><br /></span></div>
Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-37772434678290790952013-01-01T15:58:00.001-08:002013-01-01T15:58:16.593-08:002013Ego non fingo hypotheses! (ver <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Hypotheses_non_fingo" target="_blank">aqui</a>)<br />
Essa foi a maneira chique do Newton dizer: não tenho a menor idéia. Idéia com acento mesmo, que sem acento só terei idéias em 2016, que tia Dilma deixou.<br />
Eu também, sobre 2013, fingo non hypotheses - mas acho que vai ser um daqueles paradigmáticos. Turnpoint. Melting pot. Tudo de bom. Nós e Brasília. O céu do cerrado e suas flores. E pra não deixar de ser repetitivo, um poema que eu repito há uns 10 anos, acho:<br />
<br />
<br />
<h3 class="post-title entry-title" style="background-color: white; color: #cc6600; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 22px; font-weight: normal; line-height: 1.4em; margin: 0.25em 0px 0px; padding: 0px 0px 4px;">
<a href="http://cadernosdeguerra.blogspot.com.br/2008/12/promessas-para-o-ano.html" style="color: #333333; display: block; text-decoration: initial;">Promessas para o Ano</a><a href="http://cadernosdeguerra.blogspot.com.br/2008/12/promessas-para-o-ano.html" style="color: #333333; display: block; text-decoration: initial;"><br /></a></h3>
<div class="post-header-line-1" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px;">
</div>
<div class="post-body entry-content" style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 1.6em; margin: 0px 0px 0.75em;">
<span style="font-family: arial;">No ano que vem<br />vou fazer um check-up,<br />reformar os meus ternos,<br />vou trocar os meus móveis,<br />viajar no inverno,<br />como convém.<br /><br />No ano que vem<br />vou me fantasiar,<br />desfilar na avenida,<br />decorar samba enredo,<br />vou mudar minha vida,<br />como convém.<br /><br />No ano que vem<br />faço vestibular,<br />vou tocar clarineta,<br />aprender dançar valsa,<br />fox-trot ou salsa,<br />como convém.<br /><br />E vou me converter<br />no ano que vem,<br />registrar a escritura,<br />vou pagar a promessa<br />e andar mais depressa.<br />Como convém.<br /><br />No ano que vem<br />vou tratar dos meus dentes,<br />visitar uns parentes,<br />vou limpar o porão,<br />vou casar na igreja,<br />como convém.<br /><br />No ano que vem<br />vou soltar busca-pé,<br />empinar papagaio,<br />vou comer manga-espada<br />e sentar na calçada,<br />até.<br /><br />No ano que vem<br />vou pagar minhas dívidas,<br />apagar minhas dúvidas<br />e trocar o meu carro<br />e largar o cigarro.<br />Como convém.<br /><br />No ano que vem<br />vou fazer um regime,<br />e vou mudar de time,<br />viajar para a França<br />e estudar esperanto.<br />Como convém.<br /><br />Vou plantar uma rosa<br />no ano que vem<br />e escrever um romance<br />e fazer exercício,<br />desde o início,<br />como convém.<br /><br />E entrar pra política<br />e me candidatar,<br />no ano que vem,<br />fazer revolução,<br />lutar na Nicaragua,<br />por que não?<br /><br />E fazer uma plástica,<br />no ano que vem<br />e ficar destemido,<br />decorar um poema<br />e escrever pra você,<br />como convém.<br /><br />Se não der certo, no entanto,<br />neste ano que vem,<br />vou deixar de cobrança<br />do que fiz ou não fiz.<br /><br />Neste ano que vem<br />quero, como convém,<br />ser, apenas, feliz.</span><br /><span style="font-size: 13px;"><em>* Poema de Sérgio Antunes</em></span></div>
Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-19260229653251114032011-09-12T06:30:00.001-07:002011-09-12T06:30:44.663-07:00Adorno<div class=Section1> <p class=Default><font size=3 color=black face="Times New Roman"><span style='font-size:12.0pt'>A forma do ensaio preserva o comportamento de alguém que começa a estudar filosofia e já possui, de algum modo, uma idéia do que o espera. Ele raramente iniciará seus estudos com a leitura dos autores mais simples, cujo <i><span style='font-style:italic'>common sense </span></i>costuma patinar na superfície dos problemas onde deveria se deter; em vez disso, irá preferir o confronto com autores supostamente mais difíceis, que projetam retrospectivamente sua luz sobre o simples, iluminando-o como uma “posição do pensamento em relação à objetividade”. A ingenuidade do estudante que não se contenta senão com o difícil e o formidável é mais sábia do que o pedantismo maduro, cujo dedo em riste adverte o pensamento de que seria melhor entender o mais simples antes de ousar enfrentar o mais complexo, a única coisa que o atrai. <o:p></o:p></span></font></p> <p class=Default><font size=3 color=black face="Times New Roman"><span style='font-size:12.0pt'><o:p> </o:p></span></font></p> <p class=Default align=right style='text-align:right'><i><font size=2 color=black face="Times New Roman"><span style='font-size:10.0pt;font-style: italic'>O ensaio como forma</span></font></i><font size=2><span style='font-size:10.0pt'> – Theodor Adorno<o:p></o:p></span></font></p> <p class=MsoNormal><font size=2 face=Arial><span style='font-size:10.0pt; font-family:Arial'><o:p> </o:p></span></font></p> </div> Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-15727657037124795212011-07-13T11:49:00.001-07:002011-07-13T11:49:29.412-07:00Traduções comezinhasHic et nunc - ali, na lata. Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-79976791721474890902011-07-12T10:29:00.001-07:002011-07-12T10:29:13.322-07:00Borges Al-Andaluz<p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">Semana passada, tive a grata satisfação de assistir a um debate com o Guará – Guaracy Araújo, e reencontrá-lo, aqui em Brasília. Ainda não me acostumei com a cidade, mas o CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil certamente figura entre os lugares preferidos daqui. A ocasião foi uma mostra de filmes árabes, o mesmo evento ocorrendo também em BH. Em determinado momento, Guará falava sobre a (im)propriedade de se falar de um cinema árabe, assim como a generalização "cinema sul americano" pode parecer inapropriada pra gente, dadas as diferenças gigantescas entre os cinemas, por exemplo, argentino, brasileiro e mexicano. E sobre a percepção do outro, do árabe e no árabe, o desconhecimento, a aproximação via cinema – enfim, mundos se (re)conhecendo.</font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">Lembrei-me que, por coincidência, há quase um ano atrás, acho, escrevi o último post desse blog justamente sobre o Islã. O assunto interessa-me por vários motivos – a ascendência e influência do mundo árabe sobre o mundo ibérico – e conseqüentemente a nossa "herança árabe", por assim dizer; o colapso final do império Romano, também sofrendo grande influência árabe; a incrível espiral civilizatória e decadência idem dessa civilização nos campos da ciência e das artes... enfim, é mesmerizante ver como os graves sábios árabes do Al-Andaluz decaíram para os intransigentes mulás fundamentalistas de boa parte do empobrecido mundo árabe de hoje.</font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">O post anterior e a fala do Guará me remeteram, entretanto, para o mesmo "lugar literário": um conto do Borges chamado "A procura de Averróis". É interessante ver as inúmeras camadas de significado repousando sobre os inúmeros "desconhecimentos" do outro – a <i style="mso-bidi-font-style: normal">otredad </i>de Octávio Paz – tanto no conto como no fazer do conto. Borges, argentino, representa como nenhum outro a tradição ocidental. Entretanto, esse mesmo "ocidente" nos trata – brasileiros, argentinos, enfim, o hemisfério sul inteiro – como outsiders. Basta ver as manchetes sobre a Petrobrás ou a Vale, sobre como as empresas "não-ocidentais" estão crescendo, etc. Nos alinham com os BRICs não só por emergentes, mas também por estrangeiros ao mundo-branco-civilizado. </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">Bão, no conto, Averróis, ou melhor, Abulgualid Muhammad Ibn-Ahmad ibn-Muhámmad ibn-Rushd, está traduzindo Aristóteles. E embatuca em duas palavras, dois conceitos: tragédia e comédia.<span style="mso-spacerun: yes"> </span>Aliás, o próprio conceito de teatro lhe era estranho. O texto de Borges, desnecessário para o post, mas é uma compulsão transcrevê-lo:</font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt 70.8pt" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">A pena corria sobre a folha, os argumentos se enlaçavam, irrefutáveis, mas uma leve preocupação empanou a felicidade de Averróis. Não a causava o Tahafut, trabalho fortuito, mas um problema de índole filológica vinculado à obra monumental que o justificaria ante os povos: o comentário sobre Aristóteles. Esse grego, manancial de toda a filosofia, fora outorgado aos homens para ensinar-lhes tudo o que se pode saber; interpretar seus livros como os ulemás interpretam o Alcorão era o árduo propósito de Averróis. Poucas coisas mais belas e mais patéticas registrará a história além dessa consagração de um médico árabe aos pensamentos de um homem de quem o separavam catorze séculos; às dificuldades intrínsecas devemos acrescentar que Averróis, ignorando o siríaco e o grego, trabalhava sobre a tradução de uma tradução. Na véspera, duas palavras duvidosas o detiveram no princípio da Poética. Essas palavras eram tragédia e comédia. Encontrara-as anos atrás no livro terceiro da Retórica; ninguém, no âmbito do Islã, atinava com o que queriam dizer. Inutilmente fatigara-se nas páginas de Alexandre de Afrodísia, inutilmente compulsara as versões do nestoriano Hun ain ibn-Ishaq e de Abu-Bashar Mata. Essas duas palavras arcanas pululavam no texto da Poética; impossível evitá-las.</font></span></i></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"><span style="mso-tab-count: 1"> </span>Eis que chega um mercador que esteve na China, e viu lá uma apresentação de teatro; entretanto, como não tinha referências a quê compará-lo, desentendeu o teatro e seus conceitos: </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></p> <p style="LINE-HEIGHT: 99%; TEXT-INDENT: 35.4pt; MARGIN: 0cm 3pt 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; punctuation-wrap: simple" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="LINE-HEIGHT: 99%; FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">– Uma tarde, os mercadores muçulmanos de Sin Kalan me conduziram a uma casa de madeira pintada, na qual viviam muitas pessoas. Não se pode contar como era essa casa, que mais parecia um único quarto, com filas de armários ou sacadas, umas sobre as outras. Nessas cavidades havia gente que comia e bebia, e também no chão, e também num terraço. As pessoas desse terraço tocavam tambor e alaúde, salvo umas quinze ou vinte (com máscaras vermelhas) que rezavam, cantavam e dialogavam. Estavam presas, e ninguém via o cárcere; cavalgavam, mas não se percebia o cavalo; combatiam, mas as espadas eram de cana; morriam e logo estavam de pé.</font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 16.1pt; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 99%; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 105.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="LINE-HEIGHT: 99%; FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">– Os atos dos loucos – disse Farach – excedem às previsões do homem sensato.</font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 16.75pt; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 98%; TEXT-INDENT: 35.4pt; MARGIN: 0cm 13pt 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; punctuation-wrap: simple" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="LINE-HEIGHT: 98%; FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">– Não estavam loucos – teve de explicar Abulcásim. – Estavam figurando, disse-me um mercador, uma história.</font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 98%; TEXT-INDENT: 35.4pt; MARGIN: 0cm 6pt 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; punctuation-wrap: simple" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="LINE-HEIGHT: 98%; FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">Ninguém compreendeu, ninguém pareceu querer compreender. Abulcásim, confuso, passou da escutada narração às desajeitadas razões. Falou, ajudando-se com as mãos:</font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 16.6pt; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 99%; TEXT-INDENT: 35.4pt; MARGIN: 0cm 6pt 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; punctuation-wrap: simple" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="LINE-HEIGHT: 99%; FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">– Imaginemos que alguém mostre uma história, em vez de contá-la. Seja essa história a dos adormecidos de Éfeso. Vemos retirarem-se para a caverna, vemos orarem e dormirem, vemos dormirem com os olhos abertos, vemos crescerem enquanto dormem, vemos despertarem depois de trezentos e nove anos, vemos entregarem ao vendedor uma antiga moeda, vemos despertarem no paraíso, vemos despertarem com o cão. Algo semelhante nos mostraram àquela tarde as pessoas do terraço.</font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 16.4pt; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></i></p> <p style="TEXT-ALIGN: justify; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 105.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; punctuation-wrap: simple" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">– Essas pessoas falavam? – perguntou Farach. </font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 16.65pt; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></i></p> <p style="TEXT-ALIGN: justify; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 105.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; punctuation-wrap: simple" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">– Claro que falavam – disse Abulcásim, convertido em apologista de uma cena que mal recordava e que o enfadara bastante. – Falavam e cantavam e peroravam!</font></span></i></p> <p style="LINE-HEIGHT: 16.55pt; MARGIN: 0cm 0cm 0pt 70.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none; mso-line-height-rule: exactly" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></i></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt 105.4pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">– Nesse caso – disse Farach – não eram necessárias vinte pessoas. Um só narrador pode contar qualquer coisa, por complexa que seja.</font></span></i></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt 35pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none" class="MsoNormal"><i style="mso-bidi-font-style: normal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></i></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt 35pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">O texto de Borges brinca com a coincidência, pois mesmo posto frente à solução do enigma – o teatro e as tragédias e comédias que ali seriam representados – Averróis não compreende o sentido ou a resposta contida nos estranhos hábitos chineses. </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt 35pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3"> </font></span></p> <p style="MARGIN: 0cm 0cm 0pt 35pt; mso-pagination: none; mso-layout-grid-align: none" class="MsoNormal"><span style="FONT-FAMILY: Calibri; mso-bidi-font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-family: Times"><font size="3">É o conto de um argentino, mal compreendido cidadão não-ocidental, sobre árabes que não compreendem os conceitos gregos, mesmo expressos em chinês. Uma dança do mútuo desconhecimento, da outridade partida ou nunca inteira, ao mesmo tempo que expressa a universalidade dos conceitos - ou o teatro greco-chinês ou a vontade do saber argentino-andaluz. Uma humanidade partida e desgarrada de si mesma, desconhecendo-se mesmo quando em frente aos espelhos de que Borges gostava tanto. A humanidade encerra em si sertões e labirintos – sábios de Cordisburgo e Buenos Aires o confirmam.</font></span></p> Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-1671175971251951092011-02-16T05:46:00.000-08:002011-02-16T05:46:51.115-08:00Islã<em>Quanto um deus está além de outro deus?</em><br />
<em>(de um texto astronômico babilônico antigo)</em><br />
<br />
O que mais me impressiona no Islã é a sua capacidade de decadência fanática. Foi uma grande força civilizadora, com matemáticos, poetas, cientistas e pensadores famosos. Seus artistas tinham renome mundial. Conquistaram impérios antiquíssimos, como o persa e o otomano - aliás, no caso deste último, primeiro os otomanos conquistaram uma boa parte dos árabes e depois se converteram. Suas construções impressionaram o mundo medieval, suas bibliotecas preservaram boa parte do conhecimento grego e serviram de veículo para o conhecimento oriental chegar ao ocidente. E, nos últimos séculos, essa civilização agoniza num fanatismo tacanho, sob ditaduras ou monarquias paleolíticas. Não sem ajuda ocidental: o petróleo se mostrou uma maldição para os que o possuíam, vítimas dos apetites pantagruélicos das potências ocidentais, que retalharam territórios e coroaram reis ou eleveram ditadores com o único propósito de garantir o suprimento de óleo.<br />
É impressionante como a civilização ocidental e seu modelo capitalista "soltaram" essas forças demíúrgicas da ambição (e criatividade) humana de tal forma que alguns países europeus (e seu herdeiro mais notório do lado de cá) puderam colocar de joelhos civilizações inteiras. Enquanto o impulso da liberdade individual, capitaneado pela ambição, direcionado pelo livre mercado e deixado livre para exercer seus instintos predatórios alavancou essas sociedades e países, a mistura de absolutismo político com fanatismo religioso condenou as sociedades islâmicas à dupla opressão interna e externa. <br />
É o momento onde se revela com mais clareza a face torpe da civilização ocidental, com sua propaganda e seus ideais libertários e igualitários "para dentro": democracia nos países árabes, sim, desde que não se toque no petróleo... enquanto isso, silêncio absoluto sobre a máquina de esmagar milhões da China - como os "ditadores amigos" latino-americanos podiam deitar e rolar com suas máquinas de tortura. Nessa tal geopolítica, só porque os canibais usam garfo e faca são considerados educados. Mas continuam se refestelando como chacais com os restos indefesos da humanidade.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-47024356307382290352010-10-16T06:06:00.001-07:002010-10-31T16:33:27.980-07:00Saudades, verdades, eleiçõesSaudades desse blog! Estou tendo uma média de 10 horas/aula por dia e estou terminando uma monografia sobre Economia Solidária, o tempo é um luxo, atualmente. E também não sobra espaço na cabeça - tenho a nítida sensação de que se eu der um pulo vão cair letrinhas no chão, vazando pela orelha. Estou no limite da "eslaticidade" do cérebro, estudando Logística e equações de quarto grau, derivadas segundas e matrizes hessianas num dia, operações, MRP e pqp em outro, misturado com matérias que vão de teoria das organizações a Bourdieu, passando por Harry Collins, Guerreiro Ramos e Foucault... esses dias botei um cd com uma palestra sobre Borges e dirigi feliz, quarenta minutos de coisas que realmente interessam. Mas que vão ter que ficar para o ano que vem, mesmo.<br />
A outra parte do título do post é sobre o atual momento político. Não voto há mais de 20 anos, acreditando que partidos são uma experiência falida no país e que os políticos que temos são o que o Millôr falava décadas atrás: no Brasil, homem público é o masculino de mulher pública (usando aí, claro, os preconceitos de cada época). Bom, isso só funcionaria perfeitamente se eu me engajasse realmente em fazer o que acredito, que seria o fortalecimento da sociedade civil de modo que, com o tempo, tivéssemos poder de pressão o suficiente para reconstruir a experiência política de fora para dentro. Confesso que não faço: apóio, escrevo, espalho, mas é o máximo que tenho feito até hoje.<br />
Um meu alter ego brincou esses dias que a dicotomia atual já estava implícita em Marx - "a cada um de acordo com sua capacidade" envolveria a meritocracia pura de um Hayek, defendida pelos luminares do PSDB (pegando o melhor da cada proposta, por incrível que pareça), e o "a cada um de acordo com sua necessidade" envolveria a renda mínima e o welfare state com participação popular do PT. Entretanto, Hayek e Giddens sempre dão lugar ao capitalismo mais selvagem, enquanto o modelo petista tende muito mais para o centralismo estatal e stalinista, com os guias geniais dos povos substituindo a velha oligarquia por uma nova, tão atrasada quanto. Perguntaram-me várias vezes, nos últimos dias, se os programas sociais implantados e as melhorias no nível de renda e outros debates trazidos à tona e ao centro pelo atual governo não justificariam a banda podre. Fiquei em dúvida, realmente. Mas como diziam o "santo cívico" do Henfil, o Teotônio, e o JK, não tenho compromisso com o erro. Se de um lado temos os DEMos, do outro temos o PMDB e os comissários como Dirceu, uma espécie de PC Farias com ares e flama de novo Rasputin.<br />
Marina foi uma tênue esperança, mas é um erro nos apoiarmos nesses santos cívicos se não houver movimento popular por trás. Ainda mais um "santo" que tem posições meio Torquemada... Tomara que ela fique neutra e transforme o PV em um movimento e partido realmente ideológico, para se apresentar como terceira via de fato. Mesmo que não seja como protagonista, mas uma aliança entre o PT e um PV ideológico e fortalecido seria muuuuito mais palatável do que ver Sarney, Collor e Renan se refestelando junto com os vendilhões do templo que transformaram o que foi uma bonita utopia, como o PT, num valhacouto de malfeitorias - uma minoria que mancha todo o partido, muito menos por sua existência que por sua impunidade.<br />
Ficarei em casa de novo, que me desculpem todos os pregadores de verdades universais e absolutas. <em>Madadayo</em>. Ainda não.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-75979458179787922082010-08-26T15:53:00.000-07:002010-08-26T17:41:54.375-07:0038, not out! (2)Confesso que essa é kitsch (ou brega mesmo). Mas, primeiro, em francês fica sempre bunito. E, depois, talvez, como as cartas de amor, essas declarações desabridas de amizade tenham que ser meio ridículas mesmo...<br />
<div><object align="middle" classid="clsid:d27cdb6e-ae6d-11cf-96b8-444553540000" codebase="http://fpdownload.macromedia.com/pub/shockwave/cabs/flash/swflash.cab#version=6,0,0,0" height="25" id="mp3playerlightsmallv3" width="210"> <param name="allowScriptAccess" value="sameDomain" /><param name="movie" value="http://www.podbean.com/podcast-audio-video-blog-player/mp3playerlightsmallv3.swf?audioPath=http://cadernosdeguerra.podbean.com/mf/play/qzdi7k/Amizade.mp3&autoStart=no" /><param name="quality" value="high" /><param name="bgcolor" value="#ffffff" /><param name="wmode" value="transparent" /><embed src="http://www.podbean.com/podcast-audio-video-blog-player/mp3playerlightsmallv3.swf?audioPath=http://cadernosdeguerra.podbean.com/mf/play/qzdi7k/Amizade.mp3&autoStart=no" quality="high" width="210" height="25" name="mp3playerlightsmallv3" align="middle" allowScriptAccess="sameDomain" wmode="transparent" type="application/x-shockwave-flash" pluginspage="http://www.macromedia.com/go/getflashplayer" /></embed> </object><br />
(Só apertar o play)<br />
<a href="http://www.podbean.com/" style="border-bottom: medium none; color: #2da274; font-family: arial, helvetica, sans-serif; font-size: 11px; font-weight: normal; padding-left: 41px; text-decoration: none;">Powered by Podbean.com</a></div><br />
É uma música da Francoise Hardy, diz assim:<br />
<br />
<span style="font-family: inherit;"><strong>L'amitié </strong><em><span style="font-size: x-small;">(tradução abaixo)</span></em></span><br />
<span style="font-family: inherit;"></span><b><br />
</b><span style="font-family: inherit;">Beaucoup de mes amis sont venus des nuages</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Avec soleil et pluie comme simples bagages</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Ils ont fait la saison des amitiés sincères</span><br />
<span style="font-family: inherit;">La plus belle saison des quatre de la terre</span><br />
<br />
<span style="font-family: inherit;">Ils ont cette douceur des plus beaux paysages</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Et la fidélité des oiseaux de passage</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Dans leurs cœurs est gravée une infinie tendresse</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Mais parfois dans leurs yeux se glisse la tristesse</span><br />
<br />
<span style="font-family: inherit;">Alors, ils viennent se chauffer chez moi</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Et toi aussi tu viendras</span><br />
<br />
<span style="font-family: inherit;">Tu pourras repartir au fin fond des nuages</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Et de nouveau sourire à bien d'autres visages</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Donner autour de toi un peu de ta tendresse</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Lorsqu'un autre voudra te cacher sa tristesse</span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br />
</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Comme l'on ne sait pas ce que la vie nous donne</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Il se peut qu'à mon tour je ne sois plus personne</span><br />
<span style="font-family: inherit;">S'il me reste un ami qui vraiment me comprenne</span><br />
<span style="font-family: inherit;">J'oublierai à la fois mes larmes et mes peines</span><br />
<br />
<span style="font-family: inherit;">Alors, peut-être je viendrai chez toi</span><br />
<span style="font-family: inherit;">Chauffer mon cœur à ton bois</span><br />
<br />
<br />
<strong>A amizade</strong><br />
Muitos de meus amigos vieram das nuvens,<br />
Com o sol e a chuva como bagagem.<br />
Fizeram a estação da amizade sincera,<br />
A mais bela das quatro estações da terra.<br />
<br />
Têm a doçura das mais belas paisagens,<br />
E a fidelidade dos pássaros migradores.<br />
E em seu coração está gravada uma ternura infinita,<br />
Mas, as vezes, uma tristeza aparece em seus olhos.<br />
<br />
Então, vêm se aquecer comigo,<br />
e você também virá.<br />
<br />
Poderá retornar às nuvens,<br />
E sorrir de novo a outros rostos,<br />
Distribuir à sua volta um pouco da sua ternura,<br />
Quando alguem quiser esconder sua tristeza.<br />
<br />
Como não sabemos o que a vida nos dá,<br />
Pode ser que eu não tenha mais ninguém.<br />
Mas se me resta um amigo que realmente me compreenda,<br />
Me esquecerei das lágrimas e penas.<br />
<br />
Então, talvez eu vá até você aquecer<br />
Meu coração com sua chama.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-60756985967830372532010-08-26T15:18:00.000-07:002010-08-26T15:46:37.301-07:0038, not out!<div style="text-align: right;"><i>Para Mari, como tudo mais</i></div><br />
Trinta e oito! Dou mais 100 anos pra Academia Sueca me reconhecer em vida e aí parto em definitivo para a posteridade. O tempo às vezes passa voando: esse último ano passou cheio de problemas, preocupações, limitações... mas, incrivelmente, passou de uma maneira deliciosa. Voltei a estudar a fundo coisas que tinha abandonado há séculos; conheci coisas novas, idéias novas, rompi paradigmas, conceitos e modelos mentais inerciais. Acima de tudo, foi o ano em que passei inteirinho, do começo ao fim, com Mari - o primeiro de muitos, e o que talvez explique o adjetivo "delicioso".<br />
Pensei em fazer uma longa digressão sobre os poemas Ode to a Grecian Urn, do Keats, e Sailing to Byzantium, do Yeats, mas desisti: os dois falam de maneira parecida sobre a passagem do tempo. "Essa não é terra para gente velha"... parece Pasárgada, do Bandeira nosso. Mas não: como Borges, quero conhecer todas as maneiras que os homens inventaram de ser homem. No verso de Terêncio: <em>homo sum: humani nihil a me alienum puto.</em> Sou homem: nada do que é humano me é estranho; nem alegrias nem tristezas, nem decepções nem surpresas, e gosto de pensar que ainda estou no início, dezenas e dezenas de anos ainda pela frente, a vela içada, o barco pronto, cada coisa em seu lugar. Metamorfoses: são os ossos do ofídio. Rocinante está mais gordo e já sorri para os moinhos de vento...<br />
A humanidade, essa imensa e caótica coleção de pecados e alegrias, sofrimentos, desilusões e descobertas, parece cada dia mais interessante. Borges dizia que "é um desvario laborioso e empobrecedor o de compor extensos livros, e espraiar em quinhentas páginas uma idéia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que esses livros já existem e oferecer um resumo, um comentário." Posso imaginar um Quixote lúcido, lucidíssimo, que ao avistar moinhos ainda assim os ataca - sua filosofia é encarnar os ideais da cavalaria, a nobreza e a bondade da alma humana - esse homem cuja vitória seria a vitória do homem procurado por Diógenes, o homem bom que a humanidade pode um dia ser, quem sabe. Sancho descobriria, como testamento desse homem incrível, uma única frase escondida em um pergaminho do seu capacete: "se não conseguir vencê-los, ao menos faça-os rir".<br />
A todos, que no próximo ano a vida lhes seja leve, e bela. E obrigado por fazê-la assim para mim nesse ano que passou.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-53963396819703286182010-08-13T02:20:00.000-07:002010-08-13T07:35:28.723-07:00CaminhosNotas pessoais : estudos atuais incluem Pierre Bourdieu (para uma monografia, mas não só), com tudo que tenho encontrado; Richard Lee, <em>Ethnographic study based on long-term fieldwork among the Dobe Ju/’hoansi of Botswana</em> e Marshall Sahlins, com o <em>Stone Age Economics. </em>Collins, <em>The Golem at Large</em> e demais, mas confesso que cansei e estou indo "na fonte", lendo Kuhn e sua Estrutura das Revoluções Científicas - aí já parei e fui ver Popper, que achei que o Kuhn sem o Popper faria menos sentido (e aí passei para <em>ensaios sobre </em>esses últimos em audiobook, que sou um só). Disciplina de Cinema e Estudos Culturais: Jameson (gosto), Harvey (não), Hall (indiferente), Bauman (não muito, mas vou usar em outra dissertação), achando que ainda faltou um tanto de gente... essa é a parte boa. Ainda tem, para desespero de causa, livros sobre Operações, Gestão, Logística (ainda sei derivadas & outras loucuras matemáticas! achei que um macaco treinado com um ábaco ia se sair melhor do que eu), Investimentos, Administração Financeira. Lembrando o Woody Allen, quando ele diz: "Fiz um curso de leitura dinâmica e li Guerra e Paz em 20 minutos. Tem a ver com a Rússia." <br />
Para não entrar em parafuso, fui no fundo do baú buscar "As Cobras", do Veríssimo - rir é, sempre, o melhor remédio. E Mari chega hoje, então o mundo se reconstrói com ideais e esperanças, o dono da tabacaria sorri, eu vejo os céus, nevar, o mar, e vou à noite para o aeroporto fazendo mafuás, novenas, cavalhadas, comendo terra e dizendo coisas de uma ternura tão simples que é pra ela desfalecer... e aí tudo fica bom de novo. Mas as Cobras ajudaram a passar a semana e rir um pouco, no meio desse turbilhão. Eis as ditas (clique sobre cada tirinha para aumentá-la):<br />
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<div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJFxt1vLQ7c2zbCWAPt-W-L2E-prFHgTOuYj7QI1g9X4JoIVkbTSOiW9VpRixzS8xKtfUHB5sojNzgVYT2_K6qGD20A00PjylMcdJX_R_TZ_YYHb9ou1Ks-DlhDGumvEYN_BSanR_69ow/s1600/As+Cobras+-+Vida+na+Terra.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="116" ox="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJFxt1vLQ7c2zbCWAPt-W-L2E-prFHgTOuYj7QI1g9X4JoIVkbTSOiW9VpRixzS8xKtfUHB5sojNzgVYT2_K6qGD20A00PjylMcdJX_R_TZ_YYHb9ou1Ks-DlhDGumvEYN_BSanR_69ow/s400/As+Cobras+-+Vida+na+Terra.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLC-q9V55skhufanNQr9MQ-qhT0kKkfDTySeQL29910SOO8KgT_JIoGvi871YiNAyl-DcySCqJO0kqWFLjIH1nIEUuO3pb7bEC7bURpEpWnw2_fiLq5hKVmzwqp6xpG-XqDPUqyTLwSaw/s1600/As+Cobras+-+Meio+Kitsch.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="115" ox="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLC-q9V55skhufanNQr9MQ-qhT0kKkfDTySeQL29910SOO8KgT_JIoGvi871YiNAyl-DcySCqJO0kqWFLjIH1nIEUuO3pb7bEC7bURpEpWnw2_fiLq5hKVmzwqp6xpG-XqDPUqyTLwSaw/s400/As+Cobras+-+Meio+Kitsch.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TGUNNNLkikI/AAAAAAAAIOY/lsLyYLec7SQ/s1600/As+Cobras+-+Qui%C3%A9+P%C3%B4.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="115" ox="true" src="http://4.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TGUNNNLkikI/AAAAAAAAIOY/lsLyYLec7SQ/s400/As+Cobras+-+Qui%C3%A9+P%C3%B4.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqY3y7YA7SUnDGe3lPEO8Jxg682IteYa5O3IVxEOOjQ5LpAvo-oII0Q9oH8Pe5OSOn8gLPjnwzKO1ZSYhTunFYD-qImC4Qnc7va468rruvRyRPO3m-KbQ2CIkJ0xObWKZMDq5VisxAiWg/s1600/As+Cobras+-+Sim+mas+fora+isso.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="120" ox="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqY3y7YA7SUnDGe3lPEO8Jxg682IteYa5O3IVxEOOjQ5LpAvo-oII0Q9oH8Pe5OSOn8gLPjnwzKO1ZSYhTunFYD-qImC4Qnc7va468rruvRyRPO3m-KbQ2CIkJ0xObWKZMDq5VisxAiWg/s400/As+Cobras+-+Sim+mas+fora+isso.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TGUPICUYF1I/AAAAAAAAIO8/VhL55w-R1Wg/s1600/As+Cobras+-+Sentido+da+Vida.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="112" ox="true" src="http://4.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TGUPICUYF1I/AAAAAAAAIO8/VhL55w-R1Wg/s400/As+Cobras+-+Sentido+da+Vida.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TGURVV9g9ZI/AAAAAAAAIPQ/_nJ6njTEYdY/s1600/As+Cobras+-+Por+que+se+preocupar+com+a+exist%C3%AAncia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="118" ox="true" src="http://1.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TGURVV9g9ZI/AAAAAAAAIPQ/_nJ6njTEYdY/s400/As+Cobras+-+Por+que+se+preocupar+com+a+exist%C3%AAncia.jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;">Realmente...</div>Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-24578215813093434632010-07-31T02:58:00.000-07:002010-07-31T03:22:21.510-07:00A meia luaAuguste de Saint-Hilaire e alguns outros eminentes botânicos, naturalistas e viajantes fazem menção a um episódio* ocorrido com meus ancestrais que justificou a fama de selvagens dos habitantes do norte de Minas, como lugar sem respeito às leis e aos costumes. Saint-Hilaire já havia advertido outros viajantes contra os habitantes de Arraial das Formigas, atual Montes Claros, dados a roubos e outras vilanias. Antes de escrever seu <em>Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Geraes</em>, parece ter começado a escrever uma <em>Voyage dans arrière-pays des Taphuyas</em>, mas foi desencorajado por esse episódio. Martius cita de passagem o acontecimento, dando um certo quê poético aos cavaleiros reunidos à luz da lua (é certo entretanto que o episódio ocorreu durante o dia). Debret aproveitou essa descrição e imortalizou o episódio, pintando cavaleiros de um clã reunidos em uma meia lua, fazendo justiça com as próprias mãos, como pode ser visto no Rijksmuseum em Amsterdã. De todo modo, esse episódio e outros dele decorrentes espalharam uma imerecida fama da minha terra como sertão brutal e sanguinário e abriu caminho para o isolamento da região pelo século seguinte (o episódio ocorreu nos idos de 1817), tendo sido meu tataravô Ramiro um dos primeiros da minha família a se aventurar fora dali – quis, num gesto romântico de liberal republicano, cumprimentar pessoalmente o Marechal Deodoro na capital da república.<br />
<div style="text-align: center;">***</div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;"><strong>Fim da Primeira Parte</strong></span></div><div style="text-align: center;"><br />
</div><em>* N. do E: Entre 1802 e 1817 (as datas não batem, alguns documentos citam 1802 enquanto outros citam leis promulgadas somente após a chegada da família real em 1806), houve um assassinato no norte de minas envolvendo membros da família do autor – primos – supostamente por ofensas pessoais. Levado a julgamento, o assassino não foi condenado, mesmo tendo confessado o crime, aliás testemunhado por uma dezena de pessoas. Numa demonstração de união familiar – e desrespeito completo às leis – todos os homens da família, todos os parentes dos primos, incluindo o pai da vítima, se postaram diante do fórum onde o julgamento acontecia – uma centena de homens armados até os dentes, alguns famosos por sua violência, outros com seus capangas e jagunços, todos em silêncio completo. Amarraram um cavalo arreado nas escadarias do fórum – não poderia haver recado mais claro. Nem o juiz nem os oficiais da lei tiveram a coragem ou a audácia de se opor aos senhores da terra e à verdadeira e brutal lei do sertão. O assassino saiu livre, inocentado de todas as acusações. Montou o cavalo arreado e foi mandado em exílio pela família para as terras de Goyaz, única punição recebida. O juiz ousou algum tempo depois admoestar um dos chefes do clã e foi morto a tiros na calada da noite. Os oficiais da lei não voltaram àquela terra por várias décadas, deixando-a entregue aos seus costumes bárbaros.</em>Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-16680247979299051402010-07-26T04:29:00.000-07:002010-07-28T03:41:06.724-07:00Livros VelhosOs acontecimentos narrados aqui são de segunda mão: meu velho amigo está morto há anos. Numa das minhas idas à universidade (levo mais de quarenta minutos até lá, e vou escutando áudio aulas sobre os mais diversos assuntos), ouvi uma palestra sobre a chegada de Cortés ao México e os mitos criados por essa chegada - mitos de que Cortés fora tomado por um Deus (esse parcialmente verdade), outros de que os espanhóis e seus cavalos eram vistos como uma besta só (esse somente uma mentalidade eurocêntrica pode ter inventado, afinal, tirando a cor da pele, não somos tão diferentes assim). A história contada na aula, a história dos livros de história, não é a história de La Malinche, pelo menos não toda a história. Devo a umas manias de meu amigo morto e à perseguição do rei da Espanha aos marranos portugueses o desvendar o segredo de La Malinche - melhor dizendo, o segredo dos sonhos de La Malinche.<br />
<div style="text-align: center;">***</div>Cortés obviamente não falava Nahuatl, e somente uma incrível conjunção de fatores permitiu que se comunicasse com os astecas. <br />
Alguns anos antes, Jerónimo de Aguilar tinha naufragado na costa de uma região Maya, e tinha aprendido o dialeto daquelas terras. Homem sangüíneo e vingativo, não tardou a tentar se impor aos povoados que o haviam recebido, tratado dos seus ferimentos e o abrigado. Assumia ares messiânicos, e assim que aprendeu o suficiente da língua e dos costumes, tentou fazer-se passar por um dos deuses daquele povo, exigindo ouro, honrarias e riquezas. Sua paranóia não tinha limites: vendo seu próprio naufrágio como um desígnio divino, indignava-se com a indiferença dos nativos às suas exigências e demandas, tornando-se rancoroso, violento, inconvivível. Os nativos, por sua vez, usavam de certa cautela: afinal, era um ser diferente, uma língua estranha, um comportamento chocante. Mais ao norte, entre os astecas, haviam lendas de deuses assim brancos como ele. Não se dobravam às suas exigências absurdas, mas também não tinham coragem de livrar-se dele, até que tivessem certeza não tratar-se de algum enviado dos estranhos deuses brancos dos astecas.<br />
La Malinche era filha de nobres astecas - com a morte do pai, foi vendida como escrava e dada como morta - e vendida para uma região falante do Maya em Yucatán. Como nobre e filha de nobre, entendia bem seu papel e o papel do seu povo; sujeitou-se a essa vilania como a Santa Maria Egipcíaca do Bandeira.<br />
O encontro de Aguillar com La Malinche permitiu a Cortés um modo eficaz, embora lento, de se comunicar com Montezuma. O que ele não contava é que seus dois intérpretes tivessem agendas próprias: para falar com os astecas, ele tinha que falar em espanhol para Aguillar, que traduzia para o Maya, que La Malinche então traduzia para o Nahuatl. As intenções de Cortés eram duplamente deturpadas: Aguillar, com sua sede de sangue e poder, queria a destruição completa daqueles povos que acreditava terem sido enviados para puni-lo e castigá-lo, e agora queria vingança. Traduzia as frases de Cortés da maneira mais ofensiva possível, xingava os deuses, fazia exigências absurdas, denegria os interlocutores - queria causar uma guerra, queria exterminar os selvagens, os responsáveis por sua desgraça. La Malinche era uma nobre asteca; além disso, não via no rosto de Cortés nada da ira ou desejo de sangue das palavras que eram ditas. Adivinhou que a cobiça de Cortés estava sendo usada para os propósitos do homem horrendo que era a sua boca. Esse homem era só metade da sua boca: ela era a outra metade. Assim, os insultos se transformaram em ponderações, os xingamentos em elogios, as ofensas se amainavam, ela tentava abrandar e diminuir as exigências, a tornar mais suportável o jugo. Aguillar tomava as reações por pusilanimidade e covardia, e escalava os ataques: La Malinche explicava que era um possuído pelos deuses da ira, um louco tocado pelos céus, e que no final o grande general branco concordava com ela. Foi capaz de manter esse delicado equilíbrio por um tempo, meses até. O que Cortés dizia era aumentado e pervertido por Aguillar, e então diminuído e abrandado por La Malinche, de modo que a fala de Cortés acabava traduzida de modo quase perfeito. Aos poucos, La Malinche aprendeu o suficiente de espanhol para mostrar a Cortés as indignidades de Aguillar. Cortés pôs Aguillar a ferros, e esse, sob tortura, confessou todos os malefícios, mentiras e deturpações que perpretara. Seu depoimento, mesmo sob tortura, revela o demônio tomado de ira e vingança, o monstro sedento de sangue em que se transformara. Foi enviado para se tornar frade e expiar seus pecados. O navio em que os autos de seu interrogatório seguiam para a Espanha foi tomado pelo São Gabriel, de bandeira portuguesa, e este, por sua vez, foi abordado por um corsário inglês, fazendo com que tal depoimento encontre-se atualmente no Museu Britânico. Pude ver esses autos por um favor especial de Sir Stephen, amigo de longa data: um amontoado de sonhos sanguinários misturados com penitências e visões apocalípticas. Parece que Aguillar acreditava ou chegou a acreditar que aqueles povos era os últimos remanescentes do Éden, e que ao fazer Cortés destruí-los provocaria a ira divina e o fim dos tempos. Forçaria assim o Juízo Final e a salvação última dos povos... Um louco, enfim, que por vias tortas e pela simples cobiça dos homens, conseguiu seu intento.<br />
Livre de Aguillar, La Malinche acreditou poder dar a seu povo uma chance - aproximou-se de Cortés; tornou-se indispensável a ele. A cobiça e a sede de ouro que havia adivinhado nos primeiros contatos estava lá, ainda mais dura, ainda maior - Cortés não mais queria somente ouro, queria um império. La Malinche tinha visto povos se submetendo a outros, pagando tributos aos mais fortes - fora assim com seu próprio povo, tinha sido sempre assim. Achou que esses novos "deuses brancos", que ela sabia não serem deuses e alguns serem menos que humanos, contentariam-se com tributos e homenagens do império dos seus. Mas não: aquele brilho nos olhos de Cortés indicava que a febre dos deuses da destruição já não o deixaria. Suas terras, seus povos, seus costumes, séculos de história, deuses - tudo cederia diante do conquistador. Cortés chegara a dizer que, depois de Deus, devia a conquista da Nova Espanha a Doña Marina - até seu próprio nome perdera. Sua maldição por ter se aliado a tal pessoa fora maior do que jamais imaginara: tinha se transformado no agente da destruição do seu povo.<br />
Por um momento desesperou-se: então, com a calma que vem das profecias realizadas, entregou-se a Cortés e lhe deu filhos; esses filhos seriam o México, seriam ensinados como seus antepassados, manteriam suas crenças e costumes, misturados com os de Cortés. Seriam um com os conquistadores, mas não seriam conquistadores nem conquistados - seriam um novo povo, um povo que carregaria consigo a memória de uma civilização morta. Enquanto estivesse viva a memória da civilização, estaria ainda viva, mesmo que tênue, a própria civilização, seu próprio povo. Começou a escrever um extenso tratado sobre todas as tradições, deuses, comidas, caminhos, festas, remédios... queria recuperar na sua prole o império perdido. Sabia que o império sobrevive mais de memórias que de monumentos. Queria toda a história do seu povo contada de geração em geração, por seus filhos e os filhos destes, como uma espécie de sociedade secreta subterrânea, que persistisse na veia do império espanhol. Seu filho mais novo morreu de malária e seu filho mais velho brincava com as armaduras espanholas aos doze anos. Entrou para a Armada aos 16, tornou-se capitão e nunca mais sequer entendeu Nahuatl. La Malinche morreu aos poucos, de tristeza. Sua copiosa obra foi tomada em uma incursão de Drake, em 1577, e foi vendida junto com outras quinquilharias para um judeu português de Amsterdã, da Casa Pinto. Este ajudou a minha família a fugir de Portugal quando do domínio espanhol, por volta de 1640, e enviou junto parte dos seus tesouros, incluindo esse "códice Malinche". Pertence aos arquivos do meu amigo morto, e lá está, largado, empoeirado. Com sua morte já se vão as provas das peripécias e caminhos percorridos pelo códice, assim como suas interpretações, as tentativas cuidadosas de tradução que levou décadas fazendo. Tudo inútil, um esforço quixotesco de reviver através de palavras e memórias os desejos de um império extinto. Nem mesmo um império: reviver os gritos desesperados e escritos daquela que foi algoz de um império e mãe de outro, sem querer ser nem uma coisa nem outra. Mas nada adianta: o códice já quase se desmancha - ilegível, misturando um mal espanhol com uma invenção de alfabeto fonético Nahuatl, sobrevive ainda, entretanto, esfarinhando-se aos poucos - a última tentativa de ressuscitar um império, a primeira que conheço através da memória.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-60187808080848989102010-07-25T15:47:00.000-07:002010-07-26T11:42:09.889-07:00BlogandoUm meu amigo, autor de alguns livros de relativo sucesso (nenhum bestseller, entretanto), ao encontrar algum leitor que dizia: "Li seu livro e..." interrompia imediatamente: "Ah, foi você!". Como se soubesse ter um só leitor e se espantasse por encontrá-lo assim, no meio da rua. Ou então se espantasse mais ainda com o fato de alguém de fato ter lido o que ele escreveu.<br />
Meu caso é até um pouco pior: como escrevo um blog que não tenho muita intenção de divulgar, enviando posts por email para alguns poucos amigos, acabo conhecendo a maior parte dos meus leitores (sei que só lêem alguma coisa e de vez em quando, a paciência não dá pra tanto, claro). E ultimamente tenho escrito cada vez menos. <br />
Foi inicialmente um exercício quase de "journal", de diário, como aqueles adolescentes, mas tentando dividir coisas e conhecimentos que tinha, colecionador que sou - vídeos, fitas em VHS guardadas por séculos, dvds e cursos garimpados aqui e ali, livros e tirinhas colecionados desde sempre. Uma espécie de abertura de baú de guardados.<br />
Evoluiu para incluir uma certa memorabilia, os casos e causos de Salinas, os meus, as besteiras e irresponsabilidades, os amigos e loucuras, etc. Aos poucos, foram se imiscuindo textos mais ou menos literários, filosóficos, com opiniões sobre tudo e todos, seguindo a afirmação do Otto Lara de que, como bom brasileiro, sei os três primeiros minutos de qualquer assunto.<br />
Serviu todo esse tempo para testar escritas, discursos, parábolas, hipóteses, hipérboles... mal ou bem, minha maneira de escrever saiu diferente. Mas o "público", por pequeno que fosse, tinha suas preferências, fossem os causos, fossem as loucuras e viagens. Infelizmente, tive nos últimos tempos um bloqueio muito forte para escrever: não consigo, pelo menos não por enquanto, escrever sobre coisas que não ocupam minha mente. Acho que até me faria bem ir para um buteco e sentar e contar causos como nos velhos tempos. Ou "mergulhar minha pena no inferno" e sair esculhambando uns e outros. Ainda é uma diversão, isso, não nego. Mas a cabeça agora anda à procura de respostas sobre a formação do herói civilizador, dos gregos ao santo de Unamuno, Nosso Senhor Dom Quixote. De como sociedades inteiras passaram a ter vontades além das próprias necessidades, deixaram a afluência da natureza pela miragem satânica da técnica ou pela promessa deificante e demiúrgica da ciência, das respostas sobre o universo - desejo de que compartilho, inclusive. Quando o saber tornou-se primordial para a espécie? Ou é um subproduto do progresso técnico científico, brincadeira de gente à margem que só é realmente respeitável quando útil?<br />
Junto a essas indagações, debruço-me sobre a minha "bela loucura", que é entender o argentino louco, Borges - traçando suas origens em rapsodos e skalds, o rompimento do eu autoral com deixar de lado reivindicações de autoria e passar a "acusações" de autoria, basicamente inventando autores e textos ou inventando textos para autores reais e vice versa, ao mesmo tempo que dilui e fragmenta os famosos cronotopos de Bakhtin - uma espécie de profeta-avatar da pós modernidade e da diluição das identidades. <br />
A "undécima tese" de Marx sobre Feuerbach dizia que era hora dos filósofos pararem de interpretar o mundo e começarem a transformá-lo. Não mais que cinqüenta anos depois Eliot abandonou a filosofia por saber que os filósofos são bons com idéias, mas a origem e a "verdade" encontra-se nas palavras. Como Mallarmé para Degas, quando este disse que tinha ótimas idéias para fazer poesia: "Mas não são com idéias que se faz poesia, e sim com palavras". As visões de fragmentação de realidade, tempo, espaço, identidade e discurso talvez formem uma nova armadura para o Santo de Unamuno, e este, o Dom, na sua loucura e tragicidade, transforme-se no último dos heróis. <br />
Bão, é isso... o que queria dizer mesmo é que esse blog transforma-se em algo bastante árido e talvez semilouco, a partir de hoje. Divagações, contos, teorias... aos que não quiserem (ou agüentarem a chatura), agradeço a paciência até aqui, com o maior prazer de ter tido sua companhia, mesmo, mesmo. Aos demais, tão loucos quanto eu por perderem tempo comigo, cutuquem, comentem, gritem, xinguem... ninguém mais do que eu tem menos idéia de onde isso vai dar.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-17440139580988032212010-07-05T16:16:00.000-07:002010-07-05T16:32:22.412-07:00MulticulturalismosEu sou definitivamente e completamente contra os multiculturalistas, e só por fazer afirmações desse tipo já fui execrado algumas vezes. Parece que os multiculturalistas da literatura são diferentes dos multiculturalistas da antropologia ou ciências sociais. Reduzindo o assunto, os multiculturalistas a que me refiro são os intelectuais que do meio para o fim do século XX começaram a relativizar os juizos de valor sobre as "obras canônicas" da literatura ocidental. Errado? Não necessariamente. O Leopold Senghor, por exemplo, fala muito sobre como os africanos de seu país, o Senegal, costumam "dançar" uma idéia ou um pensamento para melhor se apropriar dele - a importância do movimento, da arte e da dança no entendimento do mundo, uma coisa integrada e plástica, o tornar-se um com a natureza e/ou com o pensamento. Imaginem agora um livro ou romance proveniente dessa cultura: uma cena de dança, nesse livro, seria lido por "nós ocidentais" como uma passagem a mais, e pode ter importância fundamental para o autor. São milhares de exemplos assim, claro - mesmo a escrita feminina e masculina apresentam diferenças fundamentais, embora mais próximas se são da mesma cultura. É bastante claro para mim que as importâncias e valores são e devem mesmo ser relativos.<br />
<div style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TDJnPrehCRI/AAAAAAAAINo/o7wZFofgyrU/s1600/head_gradients.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="400" rw="true" src="http://4.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TDJnPrehCRI/AAAAAAAAINo/o7wZFofgyrU/s400/head_gradients.jpg" width="227" /></a>Mas não devem ser relativizados: o multiculturalismo na literatura faz dessa bandeira uma ideologia, e simplesmente se recusa a avaliar ou fazer qualquer juízo a respeito de qualquer tipo de literatura, e com isso não concordo mesmo. O ponto de vista de quem lê é o que conta - obviamente, para quem lê - e me recuso a deixar de dizer que acho esta ou aquela literatura ou este ou aquele livro bom ou ruim porque foi feito por um africano ou asiático ou uma mulher ou um polinésio albino anão. Em uma dessas discussões, um amigo pontificava sobre a injustiça de que entre os 10 melhores escritores de todos os tempos não tinha nenhuma mulher e nenhum negro. Mas o argumento não era valor literário, era quase valor estatístico - e essa é minha birra. A escolha de um cânone é pessoal e é cultural - o cânone visto como paideuma poundiano, a parte mais viva de uma cultura. É óbvio que o juízo de valor é isso: um juízo de valor, parcial e incompleto. Mas melhor do que qualquer coleção estatística de ações afirmativas em cima da arte. Daqui uns dias, a se seguir essas idéias, o Nobel de literatura vai ser um concurso de minorias não premiadas ou etnias exóticas.</div><div style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;">O perigo (que acho até que devia ser o que os puros queriam evitar) é deixar o preconceito de uma cultura impedir o reconhecimento do valor em outra - e isso aconteceu e acontece o tempo todo. Desde os franceses, que, ao chegarem na América e verem um nativo fumando tabaco pela primeira vez, jogaram um balde d'água no coitado pra apagar o fogo, até os romanos descrevendo um alce como sendo uma mistura entre veado e cavalo com chifres, ou sei lá qual reação dos neandertais às ferramentas dos homo sapiens. Um caso exemplar é a imagem abaixo, uma cabeça de Ife, antiga cidade da África, na atual Nigéria. Quando descoberta, causou enorme espanto entre os arqueólogos pela delicadeza de suas linhas e perfeição dos traços. Um arqueólogo alemão do início do século XX chegou a conjecturar se não seria oriunda da mítica Antlântida, ou de algum antepassado perdido dos gregos - recusava-se a acreditar que os ancestrais dos africanos fossem capazes de fazer tal obra de arte. Outro chegou a afirmar que a partir daquele momento a "arte dos negros" devia ser olhada com outros olhos - mas usou o depreciativo "nigro", em algo como "a arte dos negões". O Joseph Brodsky tem uma frase ótima que diz que o habitante das cidades teme o nômade não porque estes podem destruir suas aldeias, roubar suas casas ou matar suas mulheres, mas porque ele destrói sua idéia de horizonte. Esse destruir horizontes estabelecidos é função de toda arte, acho. O encontro de culturas executa esse papel salutar, de destruir e ampliar horizontes, confrontar idéias, mostrar novas formas e novos rumos. O que não pode servir de desculpa para a estatística se estabelecer como método de avaliação crítica.</div><div></div><div style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"><div style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"><div style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"></div></div></div><div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TDJnhK7mQuI/AAAAAAAAINw/nXxdavvg9x4/s1600/IFE+Head.jpg" imageanchor="1" style="cssfloat: left; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="360" rw="true" src="http://3.bp.blogspot.com/_nZMuvSdd-Vs/TDJnhK7mQuI/AAAAAAAAINw/nXxdavvg9x4/s640/IFE+Head.jpg" width="640" /></a></div>Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-5227471954334641412010-06-30T04:16:00.000-07:002010-06-30T04:16:40.357-07:00Solução PolíticaVejo a briga cada vez mais acirrada pela Presidência da República e fico pensando: qual o fator motivador de tanto desejo, tanta cobiça, raiva, vaidade? Desejo de servir ao público? Nunca. Ninguém luta assim a não ser pela sede desvirtuada e desmedida de poder. Ou por fanatismo, o que não é o caso, a não ser que seja alguma modalidade nova de culto à própria personalidade. Uma vergonha - parecem lobos famintos, hienas, abutres. Deu vontade de fazer um vídeo com imagens interpostas das enchentes, fome, miséria. Mas ficaria localizado: aqui, esses apetites são alimentados às custas de vidas, pessoas morrem de fome, morrem por falta de atendimento médico, milhões têm usurpadas suas chances de uma vida digna. Mas os mesmos apetites flagelam os americanos, que morrem de armas nas mãos defendendo interesses escusos de uma oligarquia envelhecida e encarquilhada.<br />
Escrevi esses dias sobre Cincinatus, o romano que, chamado para salvar a pátria (literalmente), foi investido de todos os poderes, nomeado ditador - e ao invés de ser corrompido pelo poder absoluto, após cumprir sua missão, retirou-se para o seu arado e suas terras, sem nenhum proveito pessoal. Italo Calvino, em seu conto "A Decapitação dos Chefes", faz uma proposta ainda mais tentadora: todos os chefes, depois de cumpridos os seus mandatos, são decapitados. No conto, o fervor cívico e a vontade de cumprir seu papel dão a motivação necessária a essa espécie de sacerdócio suicida. Talvez pudéssemos adaptar a situação para o Brasil, colocando ao invés de decapitação, fuzilamento. E uma loteria para decidir quem faria parte do pelotão. Mas a idéia subjacente ao conto é que somente as motivações puras deveriam ser aceitas - a morte como conseqüência seria uma forma de garantir isso. Sei não, acho que o Calvino subestimou a capacidade intrínseca da canalhice humana e do fanatismo. Mas a intenção é boa.<br />
Eu, por outro lado, faria uma proposta mais tecnológica e mais desesperançada: usaria todas as opções atuais para expor ao máximo cada pessoa que entrasse na política. Todos os seus extratos bancários, contas, telefonemas, tudo, tudo, devia estar na rede em tempo real - até a quarta geração e quinto grau de parentesco, sei lá. Todas as passagens aéres, todas as conversas, tudo. Inventaríamos o "homem de vidro", tão temido, mas a nosso favor. O perigo seria transformar esse "big brother a favor" em um misto de novela mexicana e circo de horrores, e decepcionar-me de vez com a natureza humana. Maluf-ficha-limpa, Sarney e companhia que o digam.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-29427059785085813092010-06-28T02:48:00.000-07:002010-06-29T03:37:23.457-07:00O atual Rei da França - Eliot e Espelhos"Devo à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia o descobrimento de Uqbar" - frase inicial do conto de Borges. Há um ano atrás estava fazendo uma ligação entre Unamuno, filósofo, poeta e louco espanhol, com sua "religião" do Nosso Senhor Dom Quixote, e a Paidéia grega - continuo achando fantástica a maneira como Unamuno nega a derrota para uma vida sem sentido: como ele adota o heroísmo aparentemente sem sentido do Dom e o transforma em um "sentido trágico da vida", que lhe dá ao mesmo tempo a alegria de viver e a justificativa estética da existência - a única que conta, segundo Nietzsche. Mas as conjunções entre leituras&viagens&pensamentos me levaram a outros caminhos, não opostos mas diversos. E recomecei a ler Borges, de quem tinha certa birra. Não vou contar aqui como se deu o "enamoramento", mas foi o mesmo sentido inicial que me levou a Unamuno - e uma frase dele, Borges, "as inumeráveis maneiras que os homens conhecem de ser homem", que é a minha busca, meu encantamento com um mundo onde as várias experiências humanas vão tecendo histórias quase fantásticas, os pequenos macacos pelados aos poucos se transformando em demiurgos - e tiranos, e loucos, e assassinos, também.<br />
Em minha procura por entender como funciona essa literatura borgiana, que escapa da realidade e a recria a partir da palavra, encontrei por acaso a tese do T. S. Eliot. Eliot, graduado em filosofia, estudou com parte considerável dos grandes filósofos da sua época, como Santayana, Bertrand Russel e Josiah Royce, além de frequentar Bergson. Eliot abandona a filosofia por considerar, entre outras coisas, que os filósofos não prestam atenção às palavras - e a palavra é o início da realidade para ele. De fato, segundo sua tese, nenhuma teoria pode ser provada falsa, uma vez que se adotem as premissas de quem a propõe. Eliot chega a um relativismo absoluto, onde nenhuma explicação da realidade é falsa, nenhuma teoria é inverdade, pois há sempre maneiras de adotar as premissas propostas (isso, claro e para variar, é uma simplificação). <br />
Na época de Eliot havia um "problema" interessante que ilustra o ponto de vista dele: a frase "o atual Rei da França é careca" fazia parte de uma disputa filosófica de então, e praticamente todo mundo tomava um partido a seu respeito. O problema, que Russel, entre outros, tentava resolver, envolvia uma disputa em torno de proposições lógicas e a proposta, por Russel, de uma teoria da descrição. Discussões arcanas sobre problemas mais: não há rei da França atualmente, então, como ele pode ser careca? Mas a negação da frase, "o atual rei da França não é careca", não pode também ser verdadeira. E a frase não é sem sentido - há um sentido, mas não há correspondente real ao sentido. Eliot, desgostoso com o que ele considerava discussões vazias, não entra no problema em si, mas diz que "the current King of France already is": o atual rei da França já existe, isto é, adquiriu existência própria a partir da palavra.<br />
Esse é o mote e o alicerce de Borges: a linguagem, isto é, as palavras, são não só a interface entre natureza e pensamento, imanentemente descritivas - são criadoras de realidades, não menos verdadeiras que as realidades simplesmente descritas. Uma vez que possa ser imaginada, qualquer realidade é possível. Toda a labiríntica obra do argentino se volta para a criação e multiplicação dessas realidades, esgarçando o tecido da "realidade conhecida" ao multiplicá-lo <em>ad infinitum</em>. Até que, em Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, esse tecido começa a ceder...<br />
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Sobre o "problema" do careca francês, ver Wikipédia <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Definite_description">aqui</a>.<br />
Uma breve biografia do Eliot <a href="http://www.english.illinois.edu/maps/poets/a_f/eliot/life.htm">aqui</a>.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-30233474858613985602010-06-17T04:11:00.000-07:002010-06-17T05:27:03.067-07:00BloomsdayOntem, 16 de junho, fez 106 anos que Leopold Bloom saiu para viver o dia retratado em Ulysses, de James Joyce. Pessoalmente, vejo o Ulysses como a coroação do processo de fragmentação paleomodernista, na linha de Pound e Eliot, por sua vez uma resultante dos embates entre "simbolistas" e "realistas", de Mallarmé a Yeats, na busca de um significado para a literatura, que compõe a Biblioteca, que alguns chamam de Universo... O "discurso modernista" é duo, os neomodernistas tentando "construir do zero" e os paleomodernistas a partir da tradição. O que dá um contraste fantástico e uma nomenclatura esquizofrênica: aqui, a antropofagia seria uma mistura dos dois, mas eu a colocaria na lista dos paleomodernismos, que não é absolutamente tradicional: só constrói a partir dali, como o diálogo erudito, framentário e labiríntico que Joyce faz com a cultura ocidental em Ulysses - não por acaso nomeado a partir da Odisséia. Essas duas linhas se diferenciariam ainda mais na multitude de discursos pós-modernos, mas o grande avatar projetado das entranhas grávidas do paleomodernismo é Jorge Luis Borges - e, por aqui, arriscaria dizer que o Leminski do Catatau e dos haicais se enquadraria nessa linha, com ainda mais força que o Haroldo do Galáxias. Como nos livros do conto borgiano "A Biblioteca de Babel", a literatura vai se compondo de variantes possíveis e completando o projeto de emular o Universo, composto inteiramente de livros que contam todas as histórias da História, reais ou imaginadas ou não, e ainda muito mais. Assim também com os homens: em "Os Tradutores das <em>Mil e Uma Noites</em>", Borges diz de Richard Burton que ele era um "capitão inglês que tinha a paixão da geografia e das inumeráveis maneiras que os homens conhecem de ser homem". Essa multiplicidade de escritas e discursos me encanta exatamente por isso: mostra as inumeráveis, infinitas e belas maneiras que os humanos conhecem de serem humanos e contarem as histórias e fábulas e sonhos da humanidade, e a reinventarem continuamente.<br />
Já quanto aos "gêneros" e "escolas" literárias, nenhum grande escritor se enquadra nelas, apesar de alguns serem quase arquétipos das suas pretensões. Lembram-me a história da Sibila - nesse mito grego, o deus Apolo concede um desejo a Sibila, e ela pede a imortalidade. Esquece-se da propensão ao sadismo (ou da propensão a divertir-se às custas dos humanos) que Apolo repetidamente mostra: ele concede a ela a imortalidade, mas não a juventude eterna. Sibila vive, mas envelhece: mil anos depois, dela só resta a voz. Como os gregos, chineses, provençais e tantos outros, a literatura envelhece, mesmo que imortal - desses grandes do passado restam somente essa voz, mas que às vezes ainda soa retumbante.Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-68595856652428163542010-06-16T07:01:00.000-07:002010-06-18T03:26:11.558-07:00O Riso<span style="color: white;">......</span>Aristóteles fazia uma diferenciação entre tragédia e comédia (peças) que, grosso modo, pode ser resumida em dizer que a tragédia escolhe o que representar, o drama, os atos extremos, os acontecimentos e desastres que levam a um final dramático e trágico, e a comédia mostra tudo, tudo - o que, levando o argumento um pouco mais adiante, poderia incluir o silogismo de que toda tragédia tem seus elementos de comédia. Bergson, ao analisar o riso, mostra-o como um componente quase de controle social: ri-se do que está fora do normal, comportamentos inadequados, fora de lugar, de hora, etc. (estou simplificando para meus próprios objetivos escusos). De certa forma, o riso vem sempre de uma percepção de deslocamento entre o que se vê ou se percebe e o que é esperado e normal, seja em atos ou palavras. Um desconcerto, um desacerto, um jogo de palavras... Freud dá vários exemplos que adoro, em seu "O chiste e sua relação com o inconsciente": tal defeito é um dos quatro calcanhares de Aquiles daquela pessoa... como quem tem <em>quatro</em> calcanhares não é uma pessoa, é um animal, o chiste é perfeito. Outro, de mais difícil entendimento atualmente, foi o de uma figura da época (do Freud) afirmar que um tal político fez um grande ato e depois, como Cincinatus, voltou para o seu lugar à frente do arado. Cincinatus, mítico avatar das virtudes romanas, era um cidadão romano que, chamado pela República, a defendeu, comandou exércitos, reformou leis, derrotou inimigos e depois, quietamente, voltou às suas terras, como antes, sem qualquer proveito pessoal que não honrar a pátria. Mas a figura romana voltou <em>para trás</em> do arado, quem fica na frente do arado é o animal!<br />
<span style="color: white;">......</span>Uma minha teoria, que levarei adiante em um conto, é que o Universo é um ser consciente, cujo corpo é composto por toda a matéria existente. Esse ser, gestado numa explosão primordial, é ao mesmo tempo completo e angustiado: não sabe o propósito da própria existência. Assim, subdivide-se em seres conscientes, especulares, miríades de seres senscientes que andam, falam, nascem e morrem, numa tentativa talvez inútil de entender-se a si próprio. Um desses seres - eu - estive em Bonito, no Mato Grosso do Sul, no meio de paisagens exuberantes, cascatas e cachoeiras, pássaros de cores fantásticas, águas de uma transparência incrível, num dos lugares mais belos em que já estive. Mas, como sabia o velho grego, se se incluir toda a história... a temperatura era de uns 10 a 15 graus, bastante frio, e todos os passeios envolviam água. Num dos dias, passeio de bote: com direito a "guerra de balde". Divertidíssimo, principalmente dar baldadas a essa temperatura. Me entusiasmei e dei uma, duas, três baldadas em cheio no "bote inimigo" - na quarta baldada o universo conspirou e fui junto com o maldito do balde, num spláaaaf dentro dágua, e passei o resto do tempo tendo que usar uma pinça para ir ao banheiro. No último dia, flutuação em um dos rios mais transparentes que já vi, com máscara, snorkel, etc. E roupa de neoprene... apertadíssima, justíssima, vesti um pedaço e fomos andando até o rio. No caminho, ao colocar a roupa completa, fiquei um cruzamento de pingüim com <em>castrato </em>italiano: o passo bamboleante e a voz fina - mas tudo pela beleza do lugar. Uns 400 metros depois, consegui ainda articular numa voz fininha pra um dos amigos que foi junto: "Léo, Léo, será que depois dessa a gente ainda consegue reproduzir?!"Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-37297656170733080462010-05-30T13:54:00.000-07:002010-05-30T14:06:40.097-07:00EspelhosAbomináveis são os espelhos e as cópulas, porque multiplicam o número dos homens... sentença de um dos heresiarcas de Uqbar, sublime invenção de Borges. Nessa multiplicação de homens os espelhos multiplicam também realidades - a famosa caixa de biscoitos que tem um personagem segurando uma caixa de biscoito exatamente igual à primeira, portanto com o mesmo personagem segurando uma caixa de biscoito e assim <em>ad infinitum</em>. Essa multiplicação ilusória de realidades prevê também uma armadilha de tempo-espaço: no Dom Quixote, o personagem lê o livro Dom Quixote em determinado momento - o que levaria a crer que em algum momento leria sobre Dom Quixote lendo Dom Quixote lendo Dom Quixote, também ao infinito - como uma fenda no espaço-tempo, uma multiplicação especular de realidades. Claro, a "armadilha temporal" não acontece porque o personagem simplesmente lê outra linha, a caixa de biscoitos é deixada de lado. Mas durante um lapso de tempo a realidade se fragmenta e se multiplica não pela existência real de múltiplos universos mas pela sua possibilidade. É como o paradoxo de Zenon: se Aquiles e uma tartaruga disputassem uma corrida, e fosse dada uma vantagem para a tartaruga, Aquiles nunca a alcançaria: dado que a distância entre Aquiles e a tartaruga pode ser colocada uma em função da outra, cada avanço de Aquiles corresponderia a um avanço da tartaruga, como fração do avanço de Aquiles - com frações cada vez menores, tendendo ao infinito, mas nunca a zero. O paradoxo se baseia na teoria do espaço infinitamente divisível e a intuição falha ao não perceber que uma soma de termos infinitos não vai ser necessariamente também infinita. Mas a teoria de criação das realidades a partir das palavras em Borges não falha: esses nexos espaço-temporais parecem basear-se nas premissas contidas na tese de T. S. Eliot, onde este afirma que a palavra é o início do universo e a realidade é meramente um conceito derivado. <br />
Hummmm... realmente, de vez em quando a mente salta dos trilhos em uma curva psicodélica. Leminski: sol fazia, só não fazia sentido...<br />
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PS: Pode parecer bobo, o paradoxo, uma vez que parece lógico que se alguém corre mais que outro alguém, dado um determinado tempo o mais rápido fatalmente ultrapassará o mais lento. Mas levou um tempo para provar o contrário... vejam essa explicação de um seminário sobre Cantor, na Universidade de Lisboa (sobre as teorias do infinito em Cantor):<br />
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<em>"A demonstração de Cantor de que a totalidade de um conjunto infinito (tal como o número de pontos do percurso) não tem de ser maior do que as suas partes (tal como os segmentos do percurso) clarifica este aspecto do paradoxo de Aquiles e a Tartaruga: Aquiles não tem de percorrer mais pontos do que a Tartaruga. Ele tem de percorrer exactamente os mesmos: um número infinito de pontos. <br />
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A questão acerca da forma como os corredores podem percorrer um número infinito de pontos numa porção finita de tempo (ou tempo dividido num número infinito de instantes) é resolvida em parte pela teoria dos irracionais de Cantor, que mostra que a soma de uma série infinita de números racionais pode ser um número finito, e em parte pela teoria da unificação do espaço-tempo de Einstein. "</em><br />
<a href="http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/cantor/aquilestartaruga.htm">http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/cantor/aquilestartaruga.htm</a>Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5079555491373765722.post-67565102714976993372010-05-22T16:41:00.000-07:002010-05-22T16:41:49.118-07:00Borges, fragmentos"Desvario laborioso e empobrecedor o de compor extensos livros; o de espraiar em quinhentas páginas uma idéia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que esses livros já existem e oferecer um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em <em>Sartor Resartus</em>; assim Butler em <em>The Fair Haven</em>; obras que têm a imperfeição de serem também livros, não menos tautológicos que os outros. Mais razoável, mais inepto, mais preguiçoso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários." <br />
<div style="text-align: right;"><span style="font-size: x-small;"><em>in </em>Ficções</span></div>Maxhttp://www.blogger.com/profile/04107414719738539713noreply@blogger.com0