Eu acharia de bom tom banir a palavra "mesóclise" da língua portuguesa e transformá-la em nome de rio no Oriente Médio. O som foi feito pra isso - ou nome de cidade: "os hunos invadiram Mesóclise no quarto século" soa mais verdadeiro do que o uso em gramática.
.....Mas estou viajando. O Pasquale Cipro Neto, na Folha:
"Vamos por partes. Comecemos pelo "já encontra-se". O caro leitor conhece algum brasileiro que, no dia a dia, num bate-papo, diga algo como "Ele já avisou-me" ou "Ela já arrependeu-se"?
(...) Para ir direto ao ponto: um belo dia, a criança escreve uma redação em que há um período que começa com algo como "Me convidaram para...", em que ocorre um "crime", isto é, o emprego de pronome oblíquo átono (o "me", no caso) no início de um período.
O tal "crime" consiste em violar uma "regra" de colocação pronominal: não se inicia período com pronome oblíquo átono (me, te, se, lhe, lhes, o, a, os, as, nos etc.).
(...) Em Portugal, esse procedimento também é comum na língua oral. Um portuguesinho de tenra idade diz "Convidaram-me para uma festa". E diz isso por uma razão muito simples: é o que ele ouve em casa, na rua, na escola etc. Na oralidade do nosso português, há muito tempo não se diz isso. O que se usa efetivamente é, por exemplo, o que se ouve na comovente "Maninha", de Chico Buarque: "Se lembra da fogueira / Se lembra dos balões / Se lembra dos luares dos sertões"."
.....Essa colocação pronominal sempre me encheu o saco! Me dá aí um motivo pra não começar a frase assim, com "me", tirando "os gramáticos não deixam"? A língua escrita deve ser um registro ou transcrição da língua oral, não uma tradução dela. A gente fala de determinada maneira e quase temos que contratar um especialista com conhecimento de ABNT pra transformar essa fala em palavra escrita, se formos obedecer aos gramáticos. Tenho implicância com isso. E nem se fala na mesóclise, ao estilo Jânio, que tascava uns "fá-lo-ei", "segui-lo-ia", "comê-lo-ia" em conversas informais... temos que espanar a língua dessas velharias e deixá-la mais viva e próxima, mais pronta a ser moleca, brincalhona, viva. Tirar esses "não pode", "não se usa". Língua é pra gente se comunicar, e expulsa por si só as formas e usos que não se prestam a isso - uma espécie de sobrevivência do mais apto filológica.
.....Me lembrei de um caso do Tancredo: ele era governador de Minas e resolveu convidar um sujeito que tinha alcançado algum destaque na cena política mineira para ser secretário de governo. Como não conhecia o tal sujeito, marcou uma reunião para fazer o convite. O sujeito veio, conversou, conversou, tascou uns "ser-me-ia", "tirá-lo-ia", e a conversa ia andando e nada do convite ser feito. Meio sem graça, o sujeito se levantou, despediu-se e foi embora sem entender nada. Como, aliás, os assessores que tinham arranjado a reunião. Um deles tomou coragem e perguntou a Tancredo o que tinha acontecido. "Ele usa mesóclises!", disse Tancredo, para espanto dos assessores. Diante do silêncio e das caras de incompreensão, encerrou: "um sujeito que é capaz de usar mesóclises numa conversa é capaz de qualquer coisa".
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
2 comentários:
Adorei. É por aí mesmo.
Descordo de vossa observação, caro escritor. De certa forma, a mesóclise é um belo estilo gramátical. Usado, na maioria das vezes na literatura. Acontece que Chico Buarque é dotado de um artificio chamado: ''Licença Poética'', do qual o permite fazer tal desvio gramátical. A mesóclise não é simplesmente, uma regra arcaica. É toda a beleza e jovialidade de uma língua belissíma, que é o Portugês. Sinceramente, um dos assuntos que eu mais amo, é colocação pronominal. Próclise, énclise e Mesóclise são mais que três regras, são um estilo de escrita. Por mim, elas devem permanecer até os confins dos próximos séculos.
Postar um comentário