O conhecimento humano é, provavelmente, a maior e mais deliciosa aventura que conheço. Chamam a prensa de Gutemberg de "a máquina que nos fez", e com razão. Quando a aventura humana deixou de ter que ser vivida pelos participantes, ou passada de geração em geração na mesma tribo ou clã, e passou a ser escrita e trocada e traduzida e levada aos quatro cantos do mundo, expandiu de tal forma os horizontes do ser como provavelmente nenhuma outra invenção ou evolução tecnológica jamais conseguirá. Passamos a dividir toda e qualquer experiência de praticamente todas as raças e épocas, numa espiral cada vez mais apaixonante e interessante.
Edmund Wilson personificou esse fascínio pelo humano - tinha uma curiosidade insaciável pelo mundo e suas experiências, pelas pessoas, feitos, história e pensamentos humanos. Seus livros são formidáveis, e denunciam o gosto do autor por essa busca incessante. Em nenhuma parte isso é tão explícito quanto em Rumo à Estação Finlândia, onde ele descreve como Michelet, historiador francês, descobre Vico e sua obra, numa passagem que ecoa o gosto pela palavra escrita, pela descoberta e pelo pensamento transformador do mundo:
"Num dia de janeiro de 1824, um jovem professor francês chamado Jules Michelet, que ensinava filosofia e história, encontrou o nome de Giovanni Vico numa nota do tradutor do livro que estava lendo. A referência a Vico interessou-o tanto que começou a estudar italiano imediatamente."
(...)
"Mesmo hoje, ao lermos Vico, podemos sentir algo do entusiasmo de Michelet. É estranho e comovente encontrar, na Ciência Nova, uma inteligência sociológica e antropológica moderna despertando em meio à poeira de uma escola de jurisprudência provinciana do século XVII e expressando-se pelo antiquado meio de um tratado semi-escolástico. Aqui, através da visão precisa de Vico - quase como se contemplássemos as próprias paisagens do Mediterrâneo - vemos dissiparem-se as névoas que obscurecem os horizontes dos tempos mais remotos, vemos evanescerem-se as nuvens da lenda. Nas sombras há menos monstros; heróis e deuses evaporam-se. O que vemos agora são os homens tal como os conhecemos, no mundo que conhecemos. Os mitos que nos fizeram sonhar são projeções de uma imaginação humana como a nossa, e - se procurarmos a chave em nós mesmos e aprendermos a lê-los corretamente - esses mitos nos apresentarão a história das aventuras de homens como nós, um relato a que antes não tínhamos acesso."
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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