23 de jul. de 2009

Ganso

Uma vez em Belo Horizonte um meu irmão, pequeno ainda e recém-chegado na capital, atende o telefone e me procura espantado: - Tem um homem querendo falar com você mas ele disse que é um ganso!
Um grande amigo, irmão, companheiro de tantas e tantas aventuras, farras, bebedeiras, planos, a voz rouca parecendo que tinha engolido areia, o olhar sempre alerta para "os malfeitos", pronto para a gozação, para a brincadeira, a língua tão ferina e rápida quanto o coração era bom e os planos eram loucos, atravessou a cortina no início do mês. Uma morte que ainda não bateu "nas franjas dos lutos de sangue", não assimilei ainda. Vai fazer muita falta, o Ganso - Agoncílio Tavares da Silveira Silva, acho que era esse o nome completo, renegado por ele mesmo: - Agon o quê?!, perguntavam quando ele era apresentado por outras pessoas, e ele acrescentava rapidamente: - Ganso, sô, Ganso! Ele mesmo nunca se apresentava pelo nome. Vou aos poucos contar histórias nossas... mas o que me vem à cabeça no momento é a música Chula no Terreiro, do Elomar, que evoca os companheiros que se foram: o Ganso era uma mistura desses dois companheiros da música, um que "só pedia que a vida fosse regada com galinha vin queijo e doce", uma festa noite e dia, e era também o "Fulô das Alegrias", com as risadas, a espantar a tristeza, espalhar a zoada, a festa, a farra... adeus, amigo, irmão. De vez em quando ao olhar pra cima e rir sozinho estarei pensando em você, em nós e nos nossos bons, loucos dias, e nas risadas que demos juntos.

Mas cadê meus companheiros, cadê
Que cantava aqui mais eu, cadê
Na calçada no terreiro, cadê
Cadê os companheiros meus cadê
Cairam na lapa do mundo, cadê
Lapa do mundão de Deus, cadê

Mas tinha um que só pedia que a vida fosse
Uma função noite e dia que a vida fosse
Regada com galinha vin queijo e doce
Sonhando a vida assim arriscou mesmo sem posse
Deixando a vida ruim então se arretirou-se
Levou-lhe um ridimúin e a festa se acabou-se, ai saudade

Mais tinha um que só vivia pra dá risada
Quando ele aparecia a turma na calçada
Dizia évem Fulô, Fulô das alegria
Coveiro da tristeza e das dores magoadas
Pegava a viola e riscava uma toada
Espantava a tristeza espalhava a zuada, ai...

Um comentário:

Unknown disse...

Se alguém nesse mundo soube deixar sua marca por onde passou, esse alguém com certeza foi aluno do Ganso.
E olha que eu nem o conheci em seus áureos tempos, do famoso Esquadrão. Todos aprendemos com ele que para rir não é necessário nada além de boa disposição e bom coração. Dinheiro? Se não tem pendura ou empresta. Bebida? Se não tem vai metanol. Comida? Se não tem faz jejum e se tem não vai comer mesmo!!!!!!!!!!!!
Um poeta que deixou sua obra gravada nos botecos, nas ruas dos carnavais, nas republicas e no peito de tantos amigos que conquistou. Alias, esse sim sabia o valor de um amigo, e vai ver por isso não se preocupava tanto com pormenores da vida como nós outros. Sabia apreciar o que é nobre.
Quisera o destino que por ironia seu nome fosse Ganso, justo ganso, ave tão conhecida por seu fígado. Posso ouvi-lo às gargalhadas não perdendo a oportunidade para satirizar um trocadilho qualquer a respeito dos famosos patês.
Deixou saudades, tabus, gaiolas, ninhos, hospícios, cassinos e tantas outras tocas e bocas...
Tristeza? Não, com certeza ele não aceitará tristeza. Lembro-me de quando contava do velório de sua mãe regrado a vinho e churrasco… tristeza não constava em seu vocabulário.
Aprendi com ele que só uma coisa vale mais que um amigo: um amigo pra fazer rock. E mais que um amigo pra fazer rock: vários amigos pra fazer rock!
Se os gansos até hoje não voavam, agora o momento é outro. Tristes de nós, pois os rocks já não serão mais os mesmos.
Voa alto, meu caro!!!
Alex Duarte (Pat zem)