29 de mar. de 2009

Garcia Morente, Mente Zen

Um paralelo interessante - li há algum tempo o livro Zen Mind - Begginers Mind, ouvi, na verdade, na voz do Peter Coyote. Mente Zen, Mente de Principiante. E estou estudando alguma coisa dos filósofos espanhóis, principalmente para situar a figura de Unamuno, sobre quem estou escrevendo um artigo para publicação. Aí deparei-me, no Garcia Morente, com dois capítulos, dos quais transcrevo trechos abaixo, onde ele faz o mesmo paralelo, no primeiro, e no segundo explica um pouco, ou deixa aberta a porta, para a nossa procura através do zen para a "problematização" do ser. Cito:
"É absolutamente indispensável que o aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar a seu estudo uma disposição infantil. Quem quiser ser filósofo necessitará puerilizar-se, infantilizar-se, transformar-se em menino.
Em que sentido faço esta paradoxal afirmação de que convém que o filósofo se puerilize? Faço-a no sentido de que a disposição de ânimo para filosofar deve consistir essencialmente em perceber e sentir por toda a parte, tanto no mundo da realidade sensivel, como no mundo dos objetos ideais, problemas, mistérios; admirar-se de tudo, sentir o profundamente arcano e misterioso de tudo isso; colocar-se ante o universo e o próprio ser humano com um sentimento de estupefação, de admiração, de curiosidade insaciável, como a criança que não entende nada e para quem tudo é problema.
Esta é a disposição primária que deve levar ao estudo da filosofia o principiante. Diz Platão que a primeira virtude do filósofo é admirar-se: Thaumátzein — diz em grego — donde vem a palavra "taumaturgo". Admirar-se, sentir essa divina inquietação que faz com que, lá onde os outros passam tranqüilos, sem vislumbrar sequer que existem problemas, aquele que tem uma disposição filosófica esteja sempre inquieto, percebendo na mais pequenina coisa problemas arcanos, mistérios, incógnitas que os demais não vêem.
Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo.
O filósofo necessita, pois, uma primeira dose de infantilidade; uma capacidade de admiração, que o homem já feito, que o homem já enrijecido, encanecido, não costuma possuir. Por isso Platão preferia tratar com jovens e tratar com velhos. Sócrates, o mestre de Platão, andava entre a mocidade de Atenas, entre as crianças e as mulheres. Realmente, para Sócrates os grandes atores do drama filosófico são os jovens e as mulheres.
Essa admiração, pois, é uma disposição fundamental para a filosofia. E resumindo esta exposição, poderemos defini-la, agora já de um modo conceitual, como a capacidade de tudo problematizar, de converter tudo em problemas."

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