6 de nov. de 2008

Mais árido que três desertos

O título do post é do Nelson Rodrigues - o estilo dele, exagerado, teatral, dá quase para perceber que as frases são para serem faladas gesticulando, abrindo os braços: mais árido que três desertos! Estudo e pratico há algum tempo o zen, com suas formas de pensar, suas disciplinas mentais e suas visões de mundo - e às vezes sinto essa aridez de três desertos em algumas partes ou passagens. Agora mesmo estava tentando encontrar uma reunião de conhecimentos budistas chamada Cânone Páli, e quando consegui fazer o download e abri o arquivo, descobri que o Cânone Páli está em... páli. Fantástico: a imagem do burro olhando pra palácio. Deve ser alguma idéia de ironia e riso do zen. Mas nessas pesquisas encontro cada vez mais nomes de uma beleza poética: Japão é a "Terra do Sol Nascente", Coréia é a "Terra da Quietude da Manhã"... bunito!
Outro achado: um dos primeiros imperadores budistas do Japão, Shotoku (regente, na verdade), publicou em 604 d.c. uma Constituição de Dezessete Artigos que diz em seu artigo X:
"Vamos abandonar o ódio e evitar olhares enraivecidos. Também não fiquemos ressentidos quando outros diferirem de nós. Pois todos os homens têm coração e cada coração tem suas próprias inclinações. Seu certo é nosso errado e nosso certo é seu errado. Não somos inquestionavelmente sábios, nem eles são inquestionavelmente tolos. Somos todos simplesmente homens comuns. Como pode uma pessoa estabelecer uma regra por meio do qual distinguir o certo do errado? Pois somos todos nós, uns com os outros, sábios e tolos, como um anel que não tem fim. Dessa forma, embora outros cedam à raiva, que nós, ao contrário, temamos nossas próprias faltas".
Talvez fosse interessante colocar isso na nossa própria constituição... ah, essa Constituição do Shotoku começa assim: a harmonia deve ser valorizada e deve-se respeitar a escusa de uma oposição gratuita. Todos os homens são influenciados pelo faccionalismo e poucos são os inteligentes. Mas quando os de cima são harmoniosos e os de baixo são amistosos, e há concordância na discussão das questões, a concepção correta das coisas alcança espontaneamente aceitação. Pois o que há aí que não pode ser realizado?
Não é?

Um comentário:

Patrícia de Almeida Achtschin disse...

Aí eu me pergunto: como um zen pode conviver com tanta imbecilidade humana? Não dá pra viver uma obediência pacífica em pleno século XXI. Qual será o próximo Messias que tomará pra si a incubência de conveter os boçais desse planeta a uma comunhão e harmonia plena entre os homens.