10 de nov. de 2008

Casos Salinenses - A Havana

         Esse “causo” eu ouvi de uma das pessoas mais interessantes de Salinas: Geraldo Borges, pai. Borges foi sempre um piadista, contador de casos, brincalhão; e os filhos, “os Borges”, são grandes amigos e grandes pessoas, todos eles; um, Lula, é praticamente um irmão, daquelas pessoas que fazem parte da vida da gente. Uma das últimas vezes que vi Borges, atualmente morando em Montes Claros, ele saiu-se com essa:
– Brasília parece uma colméia, não é, Max?
– Por quê, seu Geraldo, o povo muito ocupado?
– Não, metade voando e metade fazendo cera!
         Sempre com essas tiradas, uma piada. Mas vamos ao caso (mudei os nomes e circunstâncias):
         Eram três grandes amigos, amigos da vida inteira: Borges, Moacir e Bernadino. Amigos de tempos bons e ruins, de cachaça, de coisa séria, de conversa, de compadrio, enfim, bons amigos. E tinham um tesouro enterrado: uma Havana, ganhada por um deles, enterrada havia já uns dez anos no quintal de Moacir. Guardada para uma grande ocasião, para uma celebração daquelas, coisa especial mesmo. Tão especial que a tal ocasião nunca chegava: os três nunca concordavam que as ocasiões que apareciam eram especiais o suficiente para justificar desenterrar a tal Havana. O que levava Bernadino, o pau d’água da turma, às raias do desespero, amaldiçoando os outros dois, ameaçando céus e terra, pedindo, xingando... mas era sempre voto vencido.
         Até que Moacir adoeceu – e gravemente: câncer. Cada vez pior, recebeu um diagnóstico de pouco tempo de vida, voltou pra casa pra descansar entre os seus, passar seus últimos dias em casa, com esposa, filhos e netos. E amigos, claro: assim que chegou em casa fez a convocação dos outros dois – Borges logo atendeu, mas Bernadino, pau d’água como ele só, deixou-se ficar nos butecos, alongando o dia, afastando o momento da despedida, também.
         E quando finalmente foi para a casa de Moacir – que ficava em uma ladeira, numa das ruas principais da cidade, a que levava ao Colégio – encontra com Borges já vindo embora:
- E aí, Borges, o caso é sério mesmo? Sem escapatória?
- Sério, sério... nas últimas. Foi uma despedida mesmo – vai descansar, muito sofrimento...
E já emendou, que não ia deixar passar:
- E sabe o que que nós fizemos, Bernadino? Sabe aquela Havana?
- NÃO! Vocês abriram a Havana!?! Sem eu estar junto?!!!
- Uai, não teve jeito, o homem naquelas condições, eu nem tive coragem de negar...
Bernadino agora estava indignado:
- Mas, Borges, são mais de dez anos de combinação! São mais de 60 anos de amizade! Não podiam esperar metade de um dia, caramba?
- Até falei com Moacir, mas ele disse que você já devia estar bebendo mesmo, não ia nem saber a diferença de uma Havana pra uma 51...
Bernadino estupefato. Desolado. Desesperado:
- Então deixa eu correr lá, Borges, deixa eu ir logo despedir de Moacir! Beber minha parte com ele, ocasião especial mesmo...
Borges se divertia em futucar a ferida:
- E estava uma maravilha, Bernadino! Era especial mesmo! E dez anos enterrada... rapaz, aquilo foi um mel dos deuses. Pena que acabou...
- ACABOU?! Como acabou?!?!!! Além de abrir sem eu estar junto de vocês, vocês ainda beberam tudo? Não acredito! Desfeita! Despropósito! Falta de companheirismo! 60 anos de amizade na lata do lixo! Esconjuro!
Borges já estava se deliciando com a reação:
- E olha Bernadino, confesso que nunca tomei uma daquela... uma maravilha... delícia das delícias... nunca mais outra vez... ainda tô sentindo o gosto dela aqui na boca... passando a língua dá pra sentir o resto do gostinho.. hummm...
Aí Bernadino perde as estribeiras, chega a ficar na ponta dos pés, e com o dedo em riste, na cara de Borges, solta:
- Borges, me escuta! Pela consideração que você ainda me tem...
E mais alto:
- Pelos nossos mais de 60 anos de amizade, por tudo que nós passamos juntos...
E mais:
- por nossos filhos, por nossos netos, Borges! Me escuta, Borges, pelamordedeus...
E afinal:
- ME DÁ UM BEIJO NA BOCA, BORGES!!!!

Um comentário:

Tati disse...

Hahaha... Muito bom! Vou continuar escrevendo sim, mas tem que voltar a inspiração. bjos