O Koan é normalmente uma pequena história, uma pergunta ou um diálogo que é utilizado no Zen para atingir aspectos de entendimento que não são acessíveis racionalmente - uma forma de aprendizado, de iluminação e de desnudamento. Misturando culturas, o koan japonês leva à aletéia grega: aletéia é a desocultação da verdade, seu desnudamento. Acho essa palavra fantástica: a idéia é que a verdade está presente, sempre esteve, só precisa ser revelada, desocultada. Realmente ver as coisas - quando Schopenhauer traduziu do seu jeito o budismo no Ocidente o título que lhe deu foi "O mundo como vontade e representação"...
Eu utilizo as tirinhas, algumas modificadas, como uma forma de koan - os instantâneos da realidade, revelam muito mais numa risada do que páginas de filosofia. Mas às vezes volto para essas histórias, esses koan, e vou colocá-los aqui também:
Tanzan e Ekido certa vez viajavam juntos por uma estrada lamacenta. Uma pesada chuva ainda caía, dificultando a caminhada. Chegando a uma curva, eles encontraram uma bela garota vestida com um quimono de seda e cinta, incapaz de cruzar a intercessão.
"Venha, menina," disse Tanzan de imediato. Erguendo-a em seus braços, ele a carregou atravessando o lamaçal.
Ekido não falou nada até aquela noite quando eles atingiram o alojamento do Templo. Então ele não mais se conteve e disse:
"Nós monges não nos aproximamos de mulheres," ele disse a Tanzan, "especialmente as jovens e belas. Isto é perigoso. Por que fez aquilo?"
"Eu deixei a garota lá," disse Tanzan. "Você ainda a está carregando?"
Sobre essas percepções de realidade, um escritor que as utilizava demais era o Guimarães Rosa. Aliás, Rosa salpica todos os seus livros com citações de mestre Eckhart, do Corão, contos orientais, taoísmo, confucionismo... em um dos livros, já não me lembro qual, ele conta de um doidinho que estava escutando uma parede(!), com o ouvido colado à parede, muito compenetrado. Passa um sujeito e vê a cena, não diz nada; volta daí a um tempo, o doidinho continua lá. Algumas horas depois, o mesmo sujeito passa novamente e o doidinho continua lá, aí ele não se aguenta e pergunta: - mas o que é que você está ouvindo?! Ao que o doidinho responde: - Escuta aqui pra você ver! O sujeito encosta o ouvido na parede, fica um tempo e diz: - Mas não estou ouvindo absolutamente nada! Ao que o doidinho responde maravilhado: - Faz mais de três horas que está assim!
O que se procura com os koan é esse tipo de estranhamento, de descoberta que uma parede faz silêncio, que não se deve nunca confundir regularidade com leis imutáveis, nem tradição com distinções corretas da verdade.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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