Isso aconteceu na época de segundo grau, eu estudava fora, em Lavras. Quando ia para as férias em Salinas, era uma festa só – os quatro cavaleiros do Apocalipse: eu, Jesão do Vale, Gatim e Marcão. Quatro vagabundos diplomados, farristas, boêmios, loucos. A farra era tocar violão, ir para o rio Bananal à tarde com melancia e colocá-la debaixo das “quedinhas d’água” pra esfriar, ir para a roça com Gatim, farra de férias, mesmo. Ah, e as serenatas à noite, claro: fazíamos serenatas elaboradas, ensaiadas, e as famílias abriam as portas, davam cerveja, salgados, faziam uma carninha de sol, uma lingüiça...
E, é claro, no final da noite havia o roubo da galinha. Porque se não tivesse galinhada, era perigoso a gente ser excomungado, sei lá – algum tipo de quebra de código de conduta, algo assim. E não servia galinha comprada, não! Nem levada de casa: tinha que ser decentemente roubada, como mandava o protocolo (eu mesmo de vez em quando “achava” umas galinhas que tinha comprado de tarde, pra não ter aquele trabalhão todo). Um belo dia, eu e Jesão fomos os escolhidos para o feito. A vítima era da beira do rio, perto da ponte – e o rio era um filetezinho de água, época de seca, passávamos por baixo da ponte, andávamos em cima daquele areal todo, dava pra “parar o rio com o pé”, como a gente brincava.
Chegamos e o galinheiro tinha uma única e solitária galinha, coitada, já com encontro marcado com o destino. Depois de inúmeras tentativas bêbadas e obviamente mal sucedidas, conseguimos cortar o arame do galinheiro – e a maldita da galinha, ao invés de ficar parada esperando a torcida de pescoço, cai no mundo. E nós atrás, que aquilo não podia ficar assim. Jesão girava a viola tentando acertar a fugitiva, mas além de me acertar o cocuruto, quando conseguiu acertar a galinha fez igual uma jogada de golfe: a meliantezinha foi parar quase do outro lado do rio, de onde só seguiu carreira. O barulho que fazíamos também teria matado uma galinha de compleição mais frágil de susto – mas a miseravelzinha corria como se a vida dependesse daquilo.
Nisso, pára na ponte uma viatura e desce o Vino, Cabo Alvino, que era amigo mas também não podia fazer uma vista tão grossa assim praquela zona:
- Bonito, hein!?! Peguei no flagra... em pleno centro da cidade! Sem vergonhas...
Mas Jesão, já no desespero com a fuga da miserável, interrompe aos gritos apontando freneticamente pra galinha:
- Olha ela lá! Atira, Vino, atira! Tá fugindo! ATIIIIIIIIRAAAAAAA!
Não vi mais a galinha. A grande façanha da noite foi convencer Vino de que não devíamos ir pra cadeia, já que não havia prova material do roubo, etc., etc. Além do quê, raiva fazia a pressão subir e fazia mal pro coração.
PS: Abaixo, brincadeira com "videomaking" - e comigo mesmo.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
Um comentário:
Adorei esse!!!
Tô morrendo de rir aq imaginando Jesão dizendo q a galinha tinha fugido... Com aquela voz rouca e aquela altura do campeonato num rítmo para lá de abaianado... Ela fuuuuuuugggigiuuuuuuuuuuuuu!!!
Bjos...
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