Ontem estive no lançamento do livro da Mariângela Ryosen, monja zen budista, no Instituto LamRim, tibetano. Discussões sobre quando o ano deveria começar: primavera, verão, outono, inverno, após o solstício, dia mais longo do ano, noite mais longa do ano, o Sol Invictus romano, quando o sol começa a vencer a noite, ou no ano novo tibetano, etc. As diferenças culturais: tanto na China quanto aqui não faz tanto sentido o ano começar quando começa, mas adotamos o conceito eurocêntrico. Mas são convenções. Outro pensamento, e esse quero levar adiante: na China, os estudantes lêem Confúcio, Lao Tse, etc. Na Europa, temos Shakespeare e Milton e Chaucer na Inglaterra, Diderot, Moliére, Voltaire e demais na França, Goethe, Kant, Rilke, Nietszche e outros na Alemanha. A maior parte desses faz parte do currículo escolar. E a tradição clássica ocidental está presente: os estudantes lêem a história, ou trechos, da Ilíada, da Eneida, dos clássicos greco-romanos, ainda que adaptados. Mesmo Espanha tem seu Cervantes, Portugal tem Camões, e também não negligenciam os clássicos da antiguidade, ou Shakespeare e Dante. Porque são leituras formadoras, não é à toa que o Bloom fez o livro "Shakespeare e a Invenção do Humano". Uma curiosidade, a título de exemplo: quatro das séries de ficção científica que passam atualmente, a Andromeda, a Battlestar Gallactica, Stargate Atlantis e o reprise de Star Trek, todas têm ou tiveram episódios onde há uma nave chamada "Ira de Aquiles". Não diz nada pra gente, diz? Ira de Aquiles vem do episódio da Ilíada onde, após a morte de Pátroclo, Aquiles investe-se de ira selvagem, e persegue os troianos até os muros da cidade. Sem qualquer compaixão ou vestígio de atitutes nobres, mata Heitor, o herói perfeito troiano, diante da mulher, dos filhos, do pai... esse epísódio marca tanto o início da Ilíada quanto a virada dos gregos, que estavam sendo expulsos e perdendo a guerra, pois Aquiles até então se recusava a lutar. Diz ainda dos valores do amor, da amizade, da honra. A Ilíada ainda é um dos livros seminais da literatura mundial, e da formação humana, da tradição ocidental. Como Shakespeare. E a maior parte dos estudantes (europeus e americanos) ao menos reconhece a referência, como os nossos (alguns) reconhecem quando escrevemos "olhos de ressaca". Esses multiculturalistas expulsaram os clássicos e os humanistas dos nossos currículos e nos lançaram no lugar utopias imbecis e "libertadoras", escritas de minorias, resmungos, lamentações, reclamações, etc - mas paramos de saber como chegamos até aqui. Pra mim, continuo hasteando bem alto a bandeira de herdeiro da tradição ocidental, sem nenhuma vergonha, ao lado da boa tradição de mundo novo do Darcy Ribeiro, do Whitman, do Pound e de tantos outros: milênios da formação humana são descartados em favor de uma subliteratura moral e qualitativamente esquálida, por ter sido feita por ou para ou falando das minorias daqui. Como se fossem excludentes - não são. Complexo de viralatas, diria o Nelson Rodrigues. Eu já digo que são os próprios viralatas, tentando convencer os outros a cultuar uma forma nova só por ter sido produzida por incompetentes que não conseguem sequer ficar à sombra dos antigos. E João Rosa, João Cabral, Leminski e outros são colocados como avis rara, ao invés de exemplos e metas de antropofagia. Devorar a cultura ocidental e devolvê-la multiplicada, cruzada, enxertada e modificada pelas influências nossas, nossa multietnicidade imanente - não esse deserto de idéias vindo do multiculturalismo estéril.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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