Esse documentário da BBC4 aborda os vários aspectos desse grande sujeito: o ator, comediante, escritor, dramaturgo, diretor, gênio e tantas outras atividades do excelente Stephen Fry. Pouquíssimo conhecido por aqui, é um ícone na Inglaterra e no continente europeu. Além de ser uma inteligência marcante, ele se diverte com o conhecimento; e nunca de uma maneira arrogante, mas de uma forma leve, comunal. Além de várias séries e shows de sucesso na televisão, atuou e dirigiu vários filmes, entre eles Wilde, sobre o escritor, e Peter's Friends (acho que esse se chamou "O último ano do resto de nossas vidas"); escreveu vários livros, acho que nenhum traduzido por aqui ainda. Bão, publico hoje a primeira parte do documentário, as outras são muito melhores mas envolvem jogos de palavras que ainda não resolvi de todo, vou publicando aos poucos. Sim, um caso ótimo que ele conta, de humor essencialmente britânico: Churchill, novamente primeiro ministro na década de 50, um dia é acordado por um secretário:
- Senhor primeiro ministro, sinto acordá-lo, mas algo extremamente desagradável aconteceu.
- O que foi?! Guerra? É a guerra? Nós perdemos a Somália?
- Não, senhor primeiro ministro, é que um dos nossos congressistas foi pego ontem à noite transando com uma guarda municipal em um parque de Londres. Foi fotografado e hoje vai estar em todos os jornais, vai ser um escândalo internacional.
- Ontem à noite?!?!?
- Sim, senhor primeiro ministro.
- Mas estava muito frio ontem à noite,não?
- Sim, senhor primeiro ministro, acredito que foi a noite de fevereiro mais fria em 17 anos.
- Makes you proud to be british!
Faz você ter orgulho de ser britânico... puro humor inglês, e com o Fry imitando o vozeirão de Churchill fica simplesmente delicioso.
30 de ago. de 2008
Stephen Fry - 50 Not Out
28 de ago. de 2008
Ariano Suassuna - Aula Espetáculo
Há bastante tempo tenho uma admiração enorme pelo Ariano: começou com birra (aquela leitura obrigatória do Auto da Compadecida), e daí, quando tomei conhecimento do Movimento Armorial, passou para admiração, até assistir uma aula espetáculo - aí virou paixão mesmo. O Ariano é um homem da renascença, um conhecimento onívoro, enciclopédico, interdisciplinar. Quando foram descrever o grande crítico/escritor/historiador/etc americano Edmund Wilson, colocaram "seu objeto de estudo era toda a vida cultural de uma nação". Ariano circunscreve esse universo ao seu nordeste, com suas tradições ainda ibéricas, sua fusão de culturas, sua imensa energia telúrica. E ninguém mais longe da escolástica e do academicismo: os casos fluem, as histórias matam a gente de rir, o conjunto emociona, o todo desperta um sentimento de orgulho pelo que a cultura popular produz e de vergonha por não ter valorizado e entendido esse universo quase paraleo ao que vivemos. Abaixo o primeiro dos vídeos - o som não está bom, ainda vou editar. Era um vhs de 2000 e pouco, estava perdido numa caixa, tive que usar o método de restauração com chiclete-durex-cuspe-paciência; não melhora muito, não. Mas vale a pena assistir.
26 de ago. de 2008
36 Not Out!
Pois, pois, mais um ano: o tempo, esse senhor da razão, tem se esquecido de mim - se o dito comum é que a idade traz sabedoria, eu perdi todos os seminários - e estou cada vez mais desconfiado de que há uma imensa conspiração de velhinhos fazendo um silêncio suspeitíssimo. Dez contra um como é tudo jogo de cena e essa tal de maturidade é invenção. De qualquer modo, não parecia uma coisa divertida; esse negócio de servir de exemplo pra criancinhas deve ser um saco. Estou traduzindo algumas coisas do Stephen Fry (esse renascentista enciclopédico louco e genial), de um documentário da BBC4, chamado 50 not out - e já gostei a partir do título, que, como Pessoa, tomo para mim como espírito da coisa (ou da causa): 36, Not Out!
24 de ago. de 2008
Zen Blog
Voltei ontem de um encontro com o sensei Tokuda Igarashi, além de membros e praticantes do zen. Brigamos, rimos, relembramos e contamos casos e histórias; e recomeçamos: Aníbal Jippo agora é o novo abade do Mosteiro Zen Pico de Raios. Esse amigo e conterrâneo foi um dos primeiros praticantes no Brasil, e ajudou a construir e divulgar o zen budismo por aqui. Apesar das "cãs brancas", continua com o velho bom humor sertanejo, cortante como uma boa peixeira.
Aproveitei para criar um blog para divulgar a programação e o contato do mosteiro e futuramente publicar textos, estudos, etc. Vale principalmente pelas fotos, pra quem quiser conhecer um pouco de lá:
http://picoderaios.blogspot.com
22 de ago. de 2008
Homenagem à adolescência
Para Tia Corinha, que queria ser freira e acabou oceanógrafa:
quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência
* Paulo Leminski (a dedicatória foi retirada do Veríssimo)
20 de ago. de 2008
Gregos e Baianos
Acho que foi em Lavras, idos de 88, que ouvi sobre "desagradar a gregos e baianos" - na época, meu professor de matemática sutilmente me advertindo sobre tempestades futuras em caso de reincidência comportamental (eu tinha o apelido de "baiano", por conta do sotaque de Salinas). Estou em um momento de tensão muito grande, mudanças, enfrentamentos, aqueles remédios faixa preta quarto dan, etc. E aí fico tentado e tentando fazer mil coisas, agradar a gregos e baianos. São os ossos do ofídio - ou os ossos do Ovídio? O sentido de urgência do tempo ficando maior a cada dia, e eis que vem uma frase do Groucho à cabeça: "O tempo voa como o vento. A banana voa como uma fruta." Ótimo pra colocar as coisas em perspectiva - o Tolicionário, dicionário das idéias feitas, já estava me catalogando. Bão, entre as milhares de coisas estão dois "feitos": terminar de traduzir e legendar o Lord of the Flies, do Peter Brook, e começar a traduzir o Les Amants, do Louis Malle. Nenhum dos dois saiu no Brasil (digo, em VHS ou DVD, passou no cinema há 50 anos), que eu saiba - se alguém souber, pelamordedeus me avisa que dá um trabalho desgraçado fazer isso. Agradeço qualquer ajuda, principalmente com o francês, que é raquítico e rastaqüera. Enquanto isso, vou misturando a oração de Jorge com a invocação indígena:
Jorge sentou praça na cavalaria
Eu estou feliz porque eu também
Sou da sua companhia
Eu estou vestido com as roupas
E as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham mãos
De riso dócil e rima fácil
E não me toquem
Não vá se enganar, eh, meu bem
Para que meus inimigos tenham pés
Que eu tenho dois olhos,
E não me alcancem
Eu tenho dois pés
Para que meus inimigos tenham olhos
Dor dos meus olhos vá pros meus pés
E não me vejam
E dos meus pés, pra dentro da terra
E nem mesmo pensamento eles possam ter
Da terra para a morte
Para me fazerem mal
Armas de fogo, meu corpo não alcançarão
Kukukaya, eu quero você pra mim
Facas e espadas se quebrem
Kukukaya, mas olha essse cachorro aqui
Sem o meu corpo tocar
Kukukaya, eu quero você aqui
Cordas e correntes arrebentem
Kukukaya, mas preste a atenção em mim
Sem o meu corpo amarrar
Pois eu estou vestido com as roupas
Mas o ovo é redondo, ventre redondo é
E as armas de Jorge
Vem amor, vem com saúde
Jorge é de Capadócia
Salve Jorge, salve Jorge
Aonde eu sou chama, seja você brasa
E aonde eu sou chuva, seja você água...
Essa Kukukaya (Xangai) parece saída do Malleus Malleficarum, o Martelo das Feiticeiras... e (in)correções: Jorge da Capadócia foi bispo de Alexandria, submisso ao imperador, perseguiu o Atanásio (esse é santo da igreja ortodoxa), e ficou rico vendendo toicinho para o exército romano. Quem usava armadura era Jorge da Inglaterra, que nem santo é mais. Acho que é isso, mas estou falando de orelhada, sem consultar nada, Caetano que me perdoe.
17 de ago. de 2008
Zen
Cheguei do mosteiro zen Pico de Raios, quebrado de tanto pintar parede e com tanta poeira no corpo que tive de tirar com espátula... mas é uma delícia. O período de trabalho é chamado samu, e devia ser uma prática tão introspectiva quanto as outras, não fosse eu um falastrão inveterado, que arrasto todo mundo pra contar caso e conversar. O zen, pra quem não conhece nada sobre o assunto, surge na China de uma junção entre budismo indiano, taoísmo e confucionismo, sendo depois acrescido, no Japão, de tradições de disciplina, artes, o bushido (caminho do guerreiro), etc., até adquirir sua conformação atual. E a conformação atual é a de quebra de paradigmas e destruição de absolutos: nada é. O surgimento mítico se dá quando Kashyapa, discípulo de Buda, dá uma risada quando o Buda histórico chega com uma flor entre os dedos e ao invés de falar qualquer coisa, fica olhando a platéia sem dizer nada, apenas girando a flor - sendo interrompido então pela risada, e dá a flor ao Kashyapa, como espécie de símbolo de transmissão. Com um sentido um pouco diverso Nietzsche diz rir de todo mestre que não riu de si também. E acho essa a essência do zen: viver sem as próteses e convenções sociais, sem os absolutos religiosos, morais, somente com o mais íntimo do seu ser. Claro, essa é uma visão pessoal - mas o meu ideal, digamos assim, é conseguir uma junção entre o zen japonês e a paidéia grega; a formação do homem grego incluindo essa dose de ceticismo crítico-criador... e chega, enchi. Quando começo essas viagens, uma amiga sempre exclama: Hellman's tem poder! Super viagem na maionese! Pode ser que sim - citando o Giacóia: "Isso explica por que, para o Nietzsche, o riso e a paródia são operadores filosóficos inigualáveis: eles permitem reverter perspectivas fossilizadas. Nietzsche, o impiedoso crítico das crenças canônicas, é também um mestre da ironia. Sua ambição consiste em tornar superfície o que é profundidade, restituir a graça ao peso da seriedade filosófica".
15 de ago. de 2008
Filosofia, ironia, riso: a risada do zen desfossilizando conceitos
Abaixo, texto do Oswaldo Giacóia, filósofo, sobre Nietzsche - acompanha vídeo da aula dada por ele em Porto Alegre, se não me engano. Adoro Nietzsche, e por mais engraçado que possa parecer, sempre achei que se ele fosse um pouco menos esquizóide ia deixar o Bernard Shaw no chinelo... Digo, como criador de chistes e bon mots, como filosófo está sempre acima e além de quase todos os outros, suprasumo e nêmesis do idealismo alemão. Mas o que ele empreendia era uma reconstrução radical do homem, essa filosofia a golpe de martelos que me encanta desde a adolescência.
"Com a paixão que liga a vida ao pensamento, Nietzsche refletiu sobre todos os problemas cruciais da cultura moderna, sobre as perplexidades, os desafios, as vertigens no fim do século 19. Dessa sua condição, postado entre o final e o início de duas eras, Nietzsche esboçou um quadro que, em todos os seus matizes, nos concerne ainda, na passagem a um novo milênio, em direção a um destino que ainda não se pode discernir.
A despeito de sua visão sombria, Nietzsche tentou ser, ao mesmo tempo, um arauto de novas esperanças. Sua mensagem definitiva –a criação de novos valores, a instituição de novas metas para a aventura humana na história– é também um cântico de alegria. Essa é uma das razões pelas quais o estilo de Nietzsche resulta da combinação paradoxal de elementos antagônicos: sombra e luz, agonia e êxtase, gravidade e leveza.
Isso explica por que, para ele, o riso e a paródia são operadores filosóficos inigualáveis: eles permitem reverter perspectivas fossilizadas. Nietzsche, o impiedoso crítico das crenças canônicas, é também um mestre da ironia. Sua ambição consiste em tornar superfície o que é profundidade, restituir a graça ao peso da seriedade filosófica." Oswaldo Giacóia in "Nietzsche", da editora Publifolha.
12 de ago. de 2008
Ai, ai
Reagan, presidente americano, dizia que o ideário dos adversários democratas podia ser resumido assim: se se mexer, taca imposto; se continuar se mexendo, regule; se parar de se mexer, subsidie. Aqui, no governo Lula, fica parecido: se for importante, não mexa; se for a longo prazo, desista; se tiver oportunidade de criar boquinhas, não hesite; se for do Meireles, assine. Principalmente esse último: será que os eleitores sabiam que o slogan "deixe o homem trabalhar" se referia ao Meireles? Podia até parecer óbvio, já que se fosse sobre o Lula teria que ser "Faz o homem trabalhar!". Ao que um colega responde de imediato - você endoidou o cabeção?!? Roberto Campos (1917-2001) costumava dizer que no Brasil a estupidez tinha um passado glorioso e um futuro promissor, e que a diferença entre a genialidade e a estupidez é que a genialidade tem limites. E que não é que o capitalismo não funcione no Brasil, é que é um tipo de modelo econômico que nunca foi tentado por aqui...
11 de ago. de 2008
Blogs - usando a lista; Tati e Junim
Bom, descobri a facilidade de colocar uma lista de blogs prediletos - vai ficar aí à direita. E os dois que já estão lá são especiais: um, da Tati, amiga que não vejo há anos fisicamente. Já tinha visto coisas dela no orkut, dava pra adivinhar alguns gostos, um jeito solto e gostoso, algo indefinível ainda lembrava o sertão nosso (que está mais pra geraes, mas faz a gente pra sempre diverso). Então li uma postagem do seu blog e me deliciei, escreve de um jeito solto, gostoso, afirmativo mesmo quando melancólico... leiam tudo, mas comecem por essa postagem: Dolce Vita- paradoxo do tempo. O outro blog é do Junim, Mr. Kind, Gentil Saraiva, um cangaceiro literato que chegou em BH nos idos de 90 e fez como o Zé Bebelo descendo o Urucuia: botou pra correr um tanto de idéias pré-concebidas, trouxe serras que às vezes mudam muito de lugar, concretos, Manoel de Barros, Pound, cummings... as revistas 34 letras, o Cage: não pouco do que sei, do que li, do que procurei saber&ler devo a ele. Mas escrevo mais depois.
8 de ago. de 2008
O prazer do que é simples
Não me lembro qual o poeta louvou também o "prazer do que é difícil". O prazer do que é simples parece-me cada vez mais uma arte refinada: em um mundo onde se é bombardeado por miríades de sensações, informações e exigências, onde as corporações são cada vez mais máquinas de gastar gente, parar por uma flor, um cheiro, um momento de ternura são momentos de uma rara elegância humana. O Wim Wenders coloca no "Asas do Desejo " a cena abaixo, onde os anjos Damiel e Cassiel invejam a condição humana de poder sentir, e imaginam os prazeres sensoriais de esticar os dedos dos pés, amar, fechar um guarda chuva em plena tempestade e se encharcar...
5 de ago. de 2008
Saber e sentir
Peguei hoje isso do Mencken: "uma campanha política é ainda melhor do que qualquer circo de que já se ouviu falar, mesmo com uma missa e uns enforcamentos no espetáculo". Acho incrível a capacidade das pessoas se emocionarem com futebol, por exemplo, ou carnaval - a torcida, a paixão, o esforço e as lágrimas que correm por um time, uma escola, um ídolo... mas são incapazes de despender um décimo da energia em aprender, em organizar-se, em ajudar-se. Ajudar a si próprio não é um pecado tão terrível quanto se negar, se obliterar, mera sombra ou autômato, fugaz imitação de humano. Acho que todo o esforço da "cúpula" atual é convencer a todos que o tecido social está tão emaranhado, é tão intrincado e complexo e cheio de nuances que não se pode tentar moldá-lo, sob pena de desabar o edifício inteiro: fazer esquecer que, por maior que seja a tribo de bípedes agora, ainda se rege por um contrato social, conveniência e convergência de forças, impulsos, desejos, virtudes, defeitos, de uma miríade infindável de mentes. Que se deixam reduzir a essa massa amorfa, caricatura bizarra de si própria.