Uma vez que o futuro das nações indígenas parece estar selado, a única possibilidade de carreira para o índio jovem desejoso de ascender socialmente é aparecer num western. Para tanto, fornecemos aqui algumas instruções essenciais cobrindo toda a gama de atividades, tanto pacíficas como belicosas, necessárias ao jovem índio para qualificar-se como "índio de western", resolvendo deste modo o problema endêmico de subemprego próprio àquela categoria.
Antes do ataque
1. Nunca atacar de surpresa: fazer-se notar ao longe, com alguns dias de antecedência, por meio da emissão de sinais de fumaça bem visíveis, de modo a ensejar à diligência ou ao forte o tempo necessário para pedir socorro ao Sétimo Regimento de Cavalaria.
2. Sempre que possível, fazer-se notar em pequenos grupos na crista dos morros circundantes. Postar sempre sentinelas em picos muito isolados.
3. Deixar sempre vestígios evidentes de sua passagem: rastros de cavalos, fogueiras apagadas nos locais de acampamento, artefatos, penas e amuletos que permitam identificar a tribo a que pertencem.
Ataque à diligência
4. Ao atacarem uma diligência, os índios devem procurar sempre manter uma certa distância durante a perseguição ou, no máximo, flanqueá-Ia na corrida, de modo a poderem ser alvejados.
5. Sofrear os pôneis, notoriamente mais velozes do que os cavalos de tiro, a fim de jamais ultrapassarem a diligência.
6. Só tentar deter a diligência um de cada vez, atirando-se sobre os arreios dos cavalos, de modo a poderem ser alvejados pelo cocheiro e devidamente esmagados pelas rodas do veículo.
7. Nunca bloquear em grupo a estrada por onde segue a diligência: assim ela teria de parar de imediato.
Ataque a rancho isolado ou a um círculo de carroças
8. Jamais atacar à noite, pegando os colonos de surpresa.Respeitar sempre o princípio segundo o qual os índios só atacam de dia.
9. Fazer ouvir com insistência o uivo do coiote, de modo a assinalar sua posição.
10. Se um branco também emitir o uivo do coiote, levantar imediatamente a cabeça a fim de oferecer-lhe um alvo fácil.
11. Atacar sempre em carrossel, sem jamais fechar o cerco, de modo a poderem ser alvejados um a um.
12. Não empregar jamais todos os homens no carrossel; devem ser substituídos à medida que forem caindo.
13. Apesar da ausência de estribos, dar algum jeito de emaranhar os pés nos arreios do cavalo, de maneira que, uma vez atingido, possa ser arrastado pelo animal.
14. Usar rifles cujo funcionamento se desconhece comprados em mãos de mascates desonestos. Empregar sempre um tempo excessivo para carregá-Ios.
15. Nunca interromper o carrossel no momento em que chegam os reforços do inimigo. Esperar a carga do regimento de cavalaria sem ir ao seu encontro, e debandar desordenadamente ao primeiro entrechoque, ensejando perseguições individuais.
16. No caso dos ranchos isolados, mandar sempre à noite um homem sozinho para espionar. Este deverá aproximar-se de uma janela iluminada e contemplar longamente a mulher branca que se encontra dentro da casa até esta perceber o vulto do índio na vidraça. Esperar o grito da mulher e a saída dos homens, e só então tentar fugir.
Ataque ao forte
17. Antes de mais nada, afugentar todos os cavalos do forte durante a noite, mas não se apoderar dos animais. Deixar que se dispersem pela pradaria.
18. Em caso de escalada das paredes externas do forte no decorrer da batalha, só escalar a paliçada um a um. Deixar aparecer primeiro a arma e depois, lentamente, a cabeça. Emergir no momento exato em que a mulher branca já tiver assinalado sua posição a um atirador de elite. Depois de alvejado, jamais cair para dentro da área do forte, mas de costas, para o lado de fora.
19. Disparando de muito longe, pôr-se em evidência no ponto culminante de um morro, de modo a cair para a frente quando for atingido, espatifando-se nas rochas subjacentes.
20. Em caso de confronto direto, demorar-se bastante na mira.
21. No mesmo caso, jamais usar revólveres, que resolveriam imediatamente o confronto direto, mas limitar-se ao emprego de armas brancas.
22. Em caso de retirada dos brancos, jamais roubar as armas dos inimigos mortos. Só o relógio de bolso, mas sempre se demorando para ficar escutando atentamente seu tique-taque até a chegada de outro inimigo.
23. Em caso de captura do inimigo, jamais matá-lo imediatamente. Amarrá-lo a uma estaca ou prendê-lo numa tenda e esperar pela lua nova, caso contrário não terão tempo de vir libertá-lo.
24. De qualquer maneira, resta sempre a certeza de matar o corneteiro inimigo assim que se ouvir ao longe o rumor da chegada do Sétimo Regimento de Cavalaria. Nesses momentos, o corneteiro do forte sempre se põe de pé para responder da ameia mais alta do forte.
25. Em caso de ataque à aldeia dos índios, sair das tendas da maneira mais confusa possível, e correr em direções opostas procurando pegar as armas que terão sido previamente guardadas em lugares de difícil acesso.
26. Controlar a qualidade do uísque vendido pelos traficantes: a proporção do teor de ácido sulfúrico deve ser de três para um.
27. Em caso de passagem do trem, assegurar-se de que esteja a bordo um caçador de índios, e flanquear o comboio a cavalo agitando um rifle e lançando brados de saudação.
28. Ao pular do alto sobre as costas de um branco, brandir a faca de maneira a não feri-lo imediatamente, permitindo o corpo-a-corpo. Esperar que o branco se vire de frente.
Umberto Eco, Segundo Diário Mínimo
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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