Ai, ai... a cada vez que eu tenho um "ataque Hellman's" como o de há pouco, não sei se escrevo ou escondo. Mas, como diz um personagem do Rosa, pode ser que fique alguma coisa, no fundo do tacho: lendo uma referência que o Mainardi faz ao Falstaff, personagem shakesperiano, lembrei-me de quando tomei conhecimento desse nome pela primeira vez - num ensaio do Edmund Wilson. Mais tarde, Harold Bloom fala bastante sobre o personagem - um canastrão, falastrão, simpático, gordo e beberrão, que encarna tanto as contradições quanto as compulsões humanas de uma forma poucas vezes conseguida na literatura. Falstaff é um personagem de si próprio, também: na companhia do jovem Harry, futuro rei Henry V, diverte-o ao mesmo tempo que destila uma filosofia de aceitação e hedonismo pra lá de herética do ponto de vista da dignidade humana. Pra mim, um enorme contraponto à dignidade tragicômica do Nosso Senhor Dom Quixote, da igreja do Unamuno. Orson Welles fez um filme onde o personagem tem pela primeira vez sua história "juntada", pois em Shakespeare ela se estende por três peças, como coadjuvante. O trecho que o Mainardi cita:
Henry IV, Ato I, cena II:
FALSTAFF – Que horas são, rapaz?
PRÍNCIPE – Embruteceste de tal modo, à força de beber xerez, de desabotoar-te depois da ceia e de dormir à tarde sobre os bancos, que esqueces de perguntar o que realmente mais importa saberes. Que diabo tens tu que ver com o tempo?
Falstaff – o Falstaff shakespeariano – é obeso, barbado, embriagado, ocioso, medroso, mulherengo, traidor, desonesto. Ele anima as noitadas do Príncipe de Gales com seus planos para roubar as bolsas dos peregrinos. O Príncipe de Gales só se aborrece quando Falstaff é infiel à sua imagem de fanfarronice, como na passagem em que pergunta, distraidamente, as horas.
Eu tive uma gata - e aí a viagem passa à Terra de Hellman's - com o nome Falstaff. Era pra ser um gato, mas quando fui ver, o sexo era diferente: deixei o nome, pensando que era uma homenagem mais que apropriada à natureza do bicho-gato: como Falstaff, um personagem que se inventa, um "príncipe das mentiras" que, inocentemente, vive pra viver, sem grandes vontades além de cumprir seus próprios caprichos. Gatos, aliás, que o Laerte representa super bem e eu adoro. A imaginação voou para o Gato/Flying Cat, uma imagem "falstaffiana" de fanfarronice e inocência no viver. Nas duas tirinhas abaixo, o Gato vira super-herói - ele se revolta com essa história de que "voar é com os pássaros" e resolve se "inventar" como herói. Mas como herói ele continua gato: uma mistura de hedonismo com indiferença.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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