7 de abr. de 2010

Pelas barbas de Darwin!

Pesquisa Datafolha publicada em 02/04 revela que 59% dos brasileiros acredita ao mesmo tempo em Deus e em Darwin - atribuindo a Deus desde um "chute inicial" até a formulação de leis que levaram à evolução. 25% acreditam em Adão e Eva e que a Terra tem menos de 10 mil anos - e 67% dos neopentecostais acreditam em evolução! 7% dos ateus brasileiros acham que a Terra tem menos de 10 mil anos e se declaram criacionistas. Com o perdão do trocadilho, uma confusão dos diabos. 

Nos Estados Unidos, 44% são criacionistas "puros". E foi lá, na década de 20, que um professor foi preso por ensinar a teoria da evolução - "acusado" de caluniar o homem como descendente dos macacos. Mencken, que cobria o julgamento, se levantou e declarou que, nesse caso, os macacos é que deviam estar processando o professor... em alguns estados americanos, os criacionistas ainda hoje tentam passar leis que obriguem o ensino da teoria bíblica nas escolas, juntamente com a teoria da evolução - nas aulas de ciência.

Essa esquizofrenia brasileira pode ser explicada pelo desconhecimento das questões apresentadas, pela metodologia da pesquisa ou por puro e simples "jeitinho", uma acomodação entre o que se percebe como "conhecimento científico" e a crença pessoal. Entretanto, o fundamentalismo arraigado dos americanos não tem a mesma força aqui. O que tem força por aqui, de forma mais avassaladora, são o preconceito e o obscurantismo. No último sábado, fui ao Espaço TIM/UFMG do Conhecimento, na Praça da Liberdade (mais informações no Boletim UFMG e no Blog do Marcelo Bicalho). E lá, na instalação Cosmogonias, há cinco painéis com esculturas em papel com os mitos de criação das culturas yorùbá, maxakali, maia-quiché, grega e judaico-cristã. Um dos guias estava explicando, de maneira bastante didática e politicamente correta, cada um dos mitos para um grupo de crianças. A mãe veio furiosa e calou o guia com um "eles não têm idade para escutar essas coisas" e levou as crianças diretamente ao painel da cultura judaico-cristã. Pena que não tinha um puxadinho para a Ku Klux Klan, com cruzes queimadas e enforcamentos, para essa criatura iluminada se sentir em casa.

Mas acredito que essa descendente direta das lagartixas dos pântanos represente o âmago do espírito brasileiro que explica a pesquisa. Branca, classe média alta, provavelmente católica, pelo crucifixo, levava os filhos a um espaço universitário de divulgação do conhecimento. Esse mesmo conhecimento em que, na forma de teoria darwinista, ela diz acreditar nas pesquisas e provavelmente em público. A autoridade do conhecimento científico se mostra tão forte quanto o antigo patriarcalismo dos senhores de engenho. Frente a esse conhecimento se abaixa a cabeça, se concorda e não se confronta: outras pesquisas já mostraram o respeito dos brasileiros pelos "doutores" e pela ciência. Mas é o mesmo respeito que um babuíno ou um papua da Nova Guiné mostraria pelo poder de fogo superior do invasor. No recôndito seguro da casa ou nas relações protetoras com os filhos abre-se a porta para se sentir mais em casa queimando cruzes e livros heréticos, disseminando preconceitos milenares, do que concordando com qualquer possibilidade de respeito ou diálogo com outras culturas e saberes.

5 comentários:

Anônimo disse...

Max, eu não me espanto com o resultado da pesquisa. Não é uma contradição acreditar em Deus e Darwin. A bíblia não é um tratado científico. Gênesis não conta a história de COMO o mundo foi criado, mesmo porque dentro do próprio Genesis há "contradições". Exemplo: no capítulo fala que foi criado em 6 dias, no cap. 2 a criação é contada de novo em apenas 1 dia. Só os fundamentalistas diriam que a bíblia afirma que o mundo foi criado em poucos dias. Os textos tem sua razão de ser de acordo com a época que foram redigidos(depois de anos de tradição oral), mas é grande demais para comentar aqui. Se eu quiser saber PORQUE o mundo foi criado eu leio a bíblia. Se eu quiser saber COMO, recorro a Darwin. Não vou buscar explicação científica na bíblia, assim como não vou recorrer a nenhum cientista para resolver um problema de fé...

Anônimo disse...

Oi Max! Não se preocupe que vc conhece essa escriba rs... Adorei a piada do Mencken!
Coincidência, eu estava falando justamente ontem sobre teoria da evolução. Estou participando de um estudo bíblico na igreja Metodista, e descobri que algumas igrejas protestantes denominadas históricas não negam a evolução, como a Clara disse acima. O que aparentemente é um paradoxo não é tão paradoxal assim... Agora gente como essa senhora tem aos montes rs...
Abs,
Flávia
PS: usei o anônimo pq esqueci minha senha rs

Max disse...

Bom, Clara, nenhuma das correntes cristãs aceita oficialmente a posição de que a bíblia é uma alegoria, parábola ou metáfora - ficam no máximo no "respeito" às posições pessoais dos membros que preferem acreditar assim. Mas de qualquer forma a crítica é feita aos preconceitos arraigados, de que nenhuma religião sozinha tem culpa, ao fundamentalismo e ao obscurantismo. E não é esquizofrenia que 7% de ateus brasileiros acreditem num mundo criado por Deus? Ou que que pessoas de religião yorùbá acreditem em Adão e Eva...

Max disse...

Ah, sim: sobre as contradições do Gênesis, tem uma divertida no Irmãos Karamazov, onde o pai, se me lembro bem, pergunta como Deus fez o dia e a noite no primeiro dia se só fez o Sol no quarto dia...

Max disse...

Flávia, dois sites com informações sobre as idéias correntes nas igrejas hoje - com posições como as suas e também mostrando o quanto o debate interno sobre isso é ainda intenso.
http://www.metodista.org.br/conteudo.xhtml?c=2674 e
http://www.jota7.com/brasil/2266/criacionismo_x_evolucionismo.html.