29 de abr. de 2010

Orelha verde

"[A Biblioteca] compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal. "

"A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta."

"Essa comprovação permitiu, depois de trezentos anos, formular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma conjectura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros. Um, que meu pai viu em um hexágono do circuito quinze noventa e quatro, constava das letras M C V perversamente repetidas da primeira linha ate à última. Outro (muito consultado nesta área) é um simples labirinto de letras, mas a página penúltima diz Oh, tempo, tuas pirâmides."

A Biblioteca de Babel

O que Borges faz, em sua biblioteca (que alguns chamam de Universo), é mostrar as infinitas possibilidades da realidade. Os livros são combinações aleatórias de símbolos, o que permite uma extensão interminável mas não infinita (existe uma sugestão óbvia de que existem outras bibliotecas com número maior ou menor de páginas em cada livro, ou com formatos e números diferentes de estantes, ou com mais linhas em cada página, ad infinitum). Seria possível, então, existirem dois livros praticamente iguais, mas em que na linha 8 da página 206 uma palavra teve a letra "b" substituída por "z" - e assim em todas as combinações possíveis. Portanto, se existe um livro para descrever uma realidade no seus mínimos detalhes, existirá então um número infinito de livros que descrevem realidades semelhantes com diferença em alguns ou um detalhe, talvez irrelevante. Posso imaginar uma realidade onde todos têm uma das orelhas verde, e a civilização é em tudo igual à nossa, nos mais ínfimos detalhes. Em outra, isso (a orelha verde) é de conhecimento comum e Vermeer não pintou a "Moça com Brinco de Pérola".

*Em uma terceira, o uso da luz e a transparência dada a essa pintura precipitou o movimento conhecido como imagismo.

Um comentário:

curicho disse...

em uma quarta as pessoas eram orelhas e produziam os mesmos conhecimentos que a gente, mas pensavam verde. rs