3 de jan. de 2009

Reforma Ortográfica

Tenho para mim que sei, como todo brasileiro, os três primeiros minutos de qualquer assunto.
Otto Lara Resende


Eu também, Otto... mas da reforma ortográfica quem sabia era o Paulo Rónai, num artigo que fala sobre a oralidade em Guimarães Rosa. O vivo da língua: sei até onde está o livro, num quartim lá embaixo, debaixo de uma tonelada de coisas. Daqui uns dias publico, assim que o Livingstone aqui tenha coragem de entrar lá. Mas vai uma anedota do Rosa, do segundo prefácio de Tutaméia:

"Já outro, contudo, respeitável, é o caso – enfim – de “hipotrélico”, motivo e base desta fábula diversa, e que vem do bom português. O bom português, homem-de-bem e muitíssimo inteligente, mas que, quando ou quando, neologizava, segundo suas necessidades íntimas.
Ora, pois, numa roda, dizia ele, de algum sicrano, terceiro, ausente:
- E ele é muito hiputrélico...
Ao que, o indesejável maçante, não se contendo, emitiu o veto:
- Olhe, meu amigo, essa palavra não existe.
Parou o bom português, a olhá-lo, seu tanto perplexo:
- Como?!... Ora... Pois se eu a estou a dizer?
-É. Mas não existe.
Aí, o bom português, ainda meio enfigadado, mas no tom já feliz de descoberta, e apontando para o outro, peremptório:
- O senhor também é hiputrélico...
E ficou havendo...
(ROSA, 1985, p. 79).
“Hipotrélico” é, pois, de acordo com a anedota presente neste prefácio,aquele ser avesso a toda e qualquer criação verbal, sendo, de acordo com a formação da referida citada palavra, como um cavalo (hipo) atrelado (trela). Como tal, o hipotrélico não se permite sair da linha pré-determinada para sua caminhada e para seu olhar, uma vez que se tornou um ente incapacitado, devido à trela que lhe introduziram, de olhar dos lados, não podendo, pois, deixar-se envolver pelo universo que o circunda."
(Revista Trama - Volume 3 - Número 5 - 1º Semestre de 2007 - p. 11-24)

Sei que a reforma é ortográfica, mas esses arreios & trelas que tentam colocar na língua me dão nos nervos - afinal de contas, por mais que as palavras passem a ser escritas da mesma forma, dificilmente serão tambem utilizadas de maneira uniforme. Basta pegar um livro do Saramago e ver o estranhamento do português lá dele... no caso, não sei se o hipotrélico sou eu ou se são "eles".

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