25 de fev. de 2010

Analfabeto Antropológico

Em alguns momentos eu me acho um analfabeto antropológico. Algumas expressões usadas para justificar um regime político ou costumes religiosos ou costumes tribais soam inaceitáveis para mim. Já me declaro culpado de início: realmente, vejo o mundo de uma ótica de continuidade da tradição ocidental - não só a tradição em que fui educado, mas também a que foi adquirida, lapidada e consolidada, que vem dos gregos até a revolução francesa, revolução americana, daí até o anticolonialismo, os direitos civis, direitos das minorias - enfim, aquela tradição que se dobra sobre si mesma para definir a ética, vista como a vida correta.
Porque estou dizendo tudo isso e me considerando um analfabeto antropológico (ou cultural, ou político) de papel passado e diploma entregue no coreto da cidade? Mataram mais um preso político cubano. Centenas já foram para o paredão. Milhares, talvez. Mas as frases são: "é necessário para a revolução". E outra, repetida sempre: "o povo cubano é feliz". Alguns milhares de loucos paranóicos, clinicamente insanos, saem todo mês de balsa, a nado, escondidos em caixotes, etc., para tentar escapar. São os infelizes. Esses não têm nenhum direito, exceto o mar ou o paredão. Talvez em um gesto tecnoburocrático genial algum general cubano resolva distribuir Prozacs às mãozadas para a oposição, para os infelizes, e una finalmente o povo cubano numa espiral de felicidade ininterrupta.
O que eu tenho com isso? Acredito em direitos universais. Acredito em direitos humanos. Acredito que os direitos humanos são universais e inegociáveis. Nossa sociedade, a ocidental, sofre dos excessos da diferença de renda, de classe, de direitos, de preconceitos - basta ver a oligarquia americana se esbaldando para ter ganas de pular para o lado dos cubanos. Mas tanto aqui quanto lá somos democracias, o que nos daria o poder teórico de mudar as coisas. Talvez o general cubano dos prozacs invente pílulas de decência e a gente possa distribuir entre nós mesmos, e veríamos os barões da banca, da indústria, chorando pelas esquinas, a baba elástica e bovina da culpa saindo pelas bocas enquanto abraçavam os tantos milhões de miseráveis de quem vivem a destruir sonhos e esperanças. Quem sabe um teatral suicídio coletivo no Congresso, enquanto novos santos cívicos surgiriam para fazer leis justas para uma sociedade justa.
Infelizmente, não funciona assim. Temos que lutar aos poucos. Algumas perversões chegam a ser irônicas: o direito à propriedade, que ao fim e ao cabo permite tais distorções, começou como uma forma singela de dizer que o homem era dono do homem. Não pertenço a nenhum rei, não sou prisioneiro de nenhum pedaço de terra - eu sou meu. Fazia muito sentido na idade média - você lutar pra ser propriedade de si próprio, ter sua casa, seus haveres. Daí a ter fundos de 100 bilhões de dólares, intocáveis porque senão feriria o "direito à propriedade", vai um salto gigantesco e uma mágica besta que nos faz acreditar que isso iria de alguma maneira contra um direito universal.
Mas a pior das corrupções não se encontra nos bolsões de riqueza nem nos meandros sombrios do poder. Origina-se lá, mas a pior corrupção é essa que corrompe a maioria. Como nos romanos do pão e circo, enquanto seus generais massacravam e subjugavam metade do mundo. Como os americanos perseguindo seus cadillacs e suas casas enquanto suas multinacionais exploravam meio mundo, seu governo fazia e desfazia ditadores que apoiassem sua imbecil guerra fria. Como os brasileiros comprando apartamentos em 560 meses para serem pagos em três gerações, enquanto os bancos e empresas se envolvem em negociatas escandalosas, apoiados pelos políticos que precisam de dinheiro para suas campanhas e que querem se esbaldar também. O sonho do político brasileiro é ter uma cobertura com vista para a baía da Guanabara, tão grande que possa ter uma fonte na sala com filhote de jacaré e cabras pastando no jardim suspenso da sacada. Porque convenhamos, se temos tantos corruptos agora, e sabemos disso, daria pra ficar livre deles nas próximas eleições, não é? Eles não se escondem. Eles não se desmentem. Mas se reelegem. Os corruptos são só eles? Ninguém votou, ninguém viu, ninguém tem nada com isso...

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