A antiga alquimia via algo de mágico nesses quadrados onde, independente da direção, todas as somas se igualam.
Aniversário sempre é um momento meio mágico, pra mim, contido nesse frase roubada do Stephen Fry, dessa vez "42, not out". Continuamos. Às vezes só viver é que é pleno, sendo descrever esse viver o "desvario laborioso e empobrecedor", do Borges, para quem, aliás, a invenção de Deus superava qualquer outra invenção da história da literatura. Assim também com as vidas humanas, essa incrível multiplicidade de caminhos & destinos, pensamentos, desejos, frustrações... lindo, isso.
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
A impermanência e seu oposto, que não é a infinitude, mas a plenitude, se encontram no fim, Ouroboros devorando a própria cauda, como os antigos indianos sabiam bem.
Termino com um roubo e uma pergunta, cada vez mais retórica, na voz de Mestre Caeiro:
"Fiquei atónito, e apontei-lhe várias semelhanças entre o materialismo e a doutrina dele, salva a poesia desta última. Caeiro protestou.
«Mas isso a que V. chama poesia é que é tudo. Nem é poesia: é ver. Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é infinito. Onde é que eles viram isso no espaço?»
E eu, desnorteado. «Mas V. não concebe o espaço como infinito? Você não pode conceber o espaço como infinito?»
«Não concebo nada como infinito. Como é que eu posso conceber qualquer coisa como infinito?»
«Homem», disse eu, «suponha um espaço. Para além desse espaço há mais espaço, para além desse mais, e depois mais, e mais, e mais... Não acaba...»
«Por quê?», disse o meu mestre Caeiro.
Fiquei num terramoto mental. «Suponha que acaba», gritei. «O que há depois?»
«Se acaba, depois não há nada», respondeu.
Este género de argumentação, cumulativamente infantil e feminina, e portanto irresponsável, atou-me o cérebro durante uns momentos.
«Mas V. concebe isso?», deixei cair por fim.
«se concebo o quê? Uma coisa ter limites? Pudera! O que não tem limites não existe. Existir é haver outra cousa qualquer, e portanto cada coisa ser limitada. O que é que custa conceber que uma coisa é uma coisa, e não está sempre a ser uma outra coisa que está mais adiante?»
Nessa altura senti carnalmente que estava discutindo, não com outro homem, mas com outro universo. Fiz uma última tentativa, um desvio que me obriguei a sentir legítimo.
«Olhe, Caeiro... Considere os números... Onde é que acabam os números? Tomemos qualquer número - 42, por exemplo. para além dele temos 43, 44, 45, 46, e assim sem poder parar. Não há número grande que não haja um número maior...»
«Mas isso são só números», protestou o meu mestre Caeiro.
e depois acrescentou, olhando com uma formidável infância:
«Mas isso a que V. chama poesia é que é tudo. Nem é poesia: é ver. Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é infinito. Onde é que eles viram isso no espaço?»
E eu, desnorteado. «Mas V. não concebe o espaço como infinito? Você não pode conceber o espaço como infinito?»
«Não concebo nada como infinito. Como é que eu posso conceber qualquer coisa como infinito?»
«Homem», disse eu, «suponha um espaço. Para além desse espaço há mais espaço, para além desse mais, e depois mais, e mais, e mais... Não acaba...»
«Por quê?», disse o meu mestre Caeiro.
Fiquei num terramoto mental. «Suponha que acaba», gritei. «O que há depois?»
«Se acaba, depois não há nada», respondeu.
Este género de argumentação, cumulativamente infantil e feminina, e portanto irresponsável, atou-me o cérebro durante uns momentos.
«Mas V. concebe isso?», deixei cair por fim.
«se concebo o quê? Uma coisa ter limites? Pudera! O que não tem limites não existe. Existir é haver outra cousa qualquer, e portanto cada coisa ser limitada. O que é que custa conceber que uma coisa é uma coisa, e não está sempre a ser uma outra coisa que está mais adiante?»
Nessa altura senti carnalmente que estava discutindo, não com outro homem, mas com outro universo. Fiz uma última tentativa, um desvio que me obriguei a sentir legítimo.
«Olhe, Caeiro... Considere os números... Onde é que acabam os números? Tomemos qualquer número - 42, por exemplo. para além dele temos 43, 44, 45, 46, e assim sem poder parar. Não há número grande que não haja um número maior...»
«Mas isso são só números», protestou o meu mestre Caeiro.
e depois acrescentou, olhando com uma formidável infância:
- O que é o 42 na Realidade?"
Nenhum comentário:
Postar um comentário