Bom, do e. e. cummings, por vias tortas, fui parar em Bloom, depois Shakespeare: divagações. Bão também. Aí vem esse filme-documentário do Al Pacino, onde ele tenta entender a influência de Shakespeare e fazê-lo inteligível, a partir de uma peça difícil, que é Richard III. A opinião das ruas, dos scholars (hilários em sua pompa vazia, mas às vezes esclarecedores), e a atuação do Pacino, sua óbvia paixão pela peça... tocante, até. Outro dia ele recebeu uma homenagem no American Film Institut, e foi realmente emocionante ver como um outsider como ele se tornou uma lenda do cinema, preservando ainda a humanidade - putz, rasgação de seda... mas gosto muito dele. Ele fala da peça (e é um grande entendedor) evidenciando as dificuldades, tanto da contextualização histórica quanto da linguagem, que perdeu sua modernidade (e Shakespeare fazia teatro popular em sua época! Inovador, mas popular) e se transformou numa catedral de palavras lindas e sem sentido para nós. Daí, tira esse sentimento de respeito excessivo, de "obra inatingível", etc. Um trabalho que devia ser feito para toda obra, não só Shakespeare: quem lê Dante hoje? Ou mesmo os russos? Com clareza, entendimento, embasamento histórico, contextualização? Estamos lendo e vendo os clássicos como maneirismos literários, tratando-os como "arte pela arte", exemplares raros que valem pela raridade, pelo exotismo, pelo que já foi dito deles... não é necessário nem mesmo lê-los; no máximo os estudos críticos. Perdeu-se a ligação entre a construção civilizatória que eles representaram, criaram e aprimoraram e os signos atuais - somos os novos papuas da cultura, ignorantes da pedra lascada invocando tecnologias presentes e gigantes passados. E não há culpados a não ser a falta de gente para fazer como o Pacino com esse Shakespeare, ou o Pound com os provençais, ou Rónai, Rosenfeld, Carpeaux, irmãos Campos... há cada vez menos dos velhos cães de guerra em campo. Pena.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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