Não é fixação - ou antes, é sim. Jeanne forma com Lauren Bacall, Isabelle Adjani, da mais diáfana e sem sal Liv Tyler, e, é claro, Juliette Binoche, parte da minha lista de grandes musas da tela de todos os tempos. Fora das telas, a magia não foi menor, com grandes mulheres que conheci, belas, fortes - complicadas, é verdade. Mas eu também personifico o caótico. Bão, mais um texto, esse do Estadão:
Estado de São Paulo - Quarta-feira, 23 janeiro de 2008
Jeanne, 80 anos e 60 de carreira
Hoje é um dia muito especial para La Moreau, mito francês que Orson Welles considerava a maior atriz do mundo
Luiz Carlos Merten
Seus grandes olhos tristes e a boca amarga seduziram diretores como Orson Welles, que dizia que ela era a maior atriz do mundo. François Truffaut acrescentava que Jeanne Moreau, pois é dela que estamos falando, possuía essa capacidade rara de passar da alegria à tristeza e da depressão à cólera em segundos, o que fazia do seu rosto o território por excelência da emoção. Mas Jeanne não é o tipo da atriz cujas interpretações valem um Oscar. Ela interioriza a dor e o sofrimento. Não grita, não faz caras e bocas. Jeanne Moreau está acima do prêmio da Academia de Hollywood.
Mais de uma centena de filmes, dezenas de peças. Jeanne Moreau é uma mulher inteligente e uma personagem rara, que teve o privilégio de trabalhar com alguns dos maiores diretores do mundo. Ela diz que não é nostálgica nem vive no passado, mas carrega consigo artistas como os citados Welles e Truffaut e também Luís Buñuel, Michelangelo Antonioni, Joseph Losey, Jacques Démy, Louis Malle, Rainer Werner Fassbinder. No Festival de Berlim, há três anos, entrevistada pelo repórter do Estado - pelo filme Le Temps Qui Reste, de François Ozon -, relatou suas lembranças particulares de cada um. Um certo vinho, ou champanhe, ostras, trufas. São detalhes mais importantes do que a própria colaboração artística.
Jeanne Moreau completa hoje 80 anos. Como iniciou sua carreira de atriz em 1948, comemora também 60 anos de representação. Filha de um barman francês e de uma bailarina inglesa, teve formação de atriz clássica no conservatório, com passagens pela Comédie Française e pelo Théâtre National Populaire, o TNP, de Jean Vilar. Em 1954, com direção de Jéan Dréville, foi a primeira rainha Margot da tela. No começo de sua carreira, com raras exceções - Ne Touchez pas au Grisbi, de Jean Becker -, Jeanne era uma atriz de teatro que incursionava pelo cinema fazendo filmes com diretores sem muito prestígio de crítica, como Denys De La Patellière e Gilles Grangier.
Em 1958, ela fez Ascensor para o Cadafalso, de Louis Malle, e o filme é considerado um dos marcos da revolução da nouvelle vague, o movimento de renovação do cinema francês que, como uma onda, terminou por atingir as praias cinematográficas de todo o mundo. No mesmo ano, Jeanne e Malle filmaram Os Amantes e a famosa cena de sexo oral - o rosto dela em êxtase, enquanto o amante vai descendo por seu corpo até desaparecer da imagem - provocou escândalo na época. O resto é história, uma grande carreira que inclui até um filme no Brasil, com Cacá Diegues.
Não foi só um capricho do diretor importar a maior atriz do mundo para fazer o papel da prostituta que um coronel nordestino tira do bordel para fazer dela a senhora do seu engenho. Numa cena famosa, Jeanne é carregada nas costas por Eliezer Gomes, que fez Tião Medonho em Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias. Não será isso, por acaso, uma (re)leitura da opressão do colonizado pelo colonizador? Outra interrogação - as melhores atuações de Jeanne? Faça sua lista. Terna e cruel em Jules e Jim (de Truffaut), cruel em Eva (de Losey), xaroposa em Moderato Cantabile (de Peter Brook). Jeanne é múltipla e única. Ela cantou o tema de Chico Buarque em Joana Francesa e Tourbillon em Jules e Jim. Cantar não foi só uma exigência dramática desses filmes. Jeanne também é cantora e gravou cinco álbuns elogiados pela crítica.
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