17 de dez. de 2009

Notas mau humoradas

Com todos os líderes em Copenhagen, lembrei de uma frase do Millôr sobre a abertura lenta e gradual que os militares queriam fazer - dizia que, se Hércules tivesse seguido esse tipo de conselho, teria limpado as estrebarias de Áugias com um baldinho e um regador e aquilo estaria cheio de bosta até hoje... para quem não sabe ou se lembra (infelizmente quase ninguém lê essas coisas mais), limpar as estrebarias de Áugias, que se estendiam por quilômetros, foi um dos doze trabalhos de Hércules, que ele resolveu de maneira bastante eficiente - desviou um rio e limpou as estrebarias. Do mapa, inclusive: não sobraram nem bosta, nem estrebarias e nem cavalos. Mas do jeito que estão andando as coisas, também não haverá preocupações futuras com o meio ambiente - não haverá um, pra se preocupar.

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Em um livro de marketing, descubro que a pressão para abrir um saco de batatas fritas é cuidadosamente estudada, para que dê ao consumidor o nível de dificuldade adequada - nem tão fácil que não pareça uma conquista (!), nem tão difícil que cause frustração. O animal treinado- desculpe, consumidor -, depois da tarefa, deve se sentir recompensado, como aqueles macacos que ganham bananas montando cubos. Outra forma sutil é enfiar folhas soltas em revistas - quando o macaco, digo, consumidor, abre a revista, cai a folhinha e ele é obrigado a pegá-la, sendo obrigado assim a ver o que é, aumentando as chances de que continue a leitura. A realidade é que a propaganda solta custa mais caro por isso - experimentem abrir uma revista e deixar os papéis soltos caídos no chão... não dá, não conseguimos, somos responsáveis por causar a sujeira, jogar o lixo no chão, então temos que pegá-los, e ao fazer isso, quantas vezes não olhamos pra ver se faz parte de alguma reportagem ou se é algo interessante? Uns 20 anos atrás, uma fábrica de Detroit fez um experimento com cores - vermelho causa angústia e desconforto, azul traz tranqüilidade, etc. Colocaram então em prática a "brilhante estratégia" de fazer com que os monitores e luzes que cercavam cada trabalhador mudassem de cor de acordo com a produtividade. Caso o trabalhador apresentasse atraso, a tela ia ficando vermelha, fazendo com que ele se esforçasse pra voltar ao azul mais confortável... Todas as estratégias de Recursos Humanos e Marketing de hoje são aprimoramentos do princípio básico usado desde os feitores das pirâmides: utilizar o máximo do potencial de cada animal cativo submetido ao seu jugo. A única nota divergente a essas estratégias que já vi foi nas barrinhas de chocolate de certa fábrica brasileira - ao colocarem uma seta e um "Abra aqui", a única motivação daqueles sádicos deve ter sido o sarcasmo.

11 de dez. de 2009

Baixinhos

Qual o problema com os baixinhos? Porque tão arrogantes, exibidos, insuportáveis, tiradores de onda? Comecei a desenvolver uma nova teoria, já que a anterior - a de que baixinhos gostam de carrões para, em última análise, mostrar para as parceiras que conseguem alcançar o volante - só explicam os baixinhos bem sucedidos.
A nova teoria é de que eles sabem, no íntimo, que devem sua existência a uma falha da teoria darwiniana. Explico: a teoria da evolução não contava com a tecnologia. Sem a tecnologia, os baixinhos estariam relegados a comida de dinossauro, com as perninhas incapazes de alcançar o resto da tribo, satisfeita em ter uma isca que além de ficar pra trás, gritava, atraindo os carnívoros. Mas agora eles podem manusear armas, comandar exércitos, usar computadores (com ajuda de cadeiras mais altas, mas podem), até conquistar países (vide Napoleão) ou mesmo comer a Carla Bruni.
Há 10, 50 mil anos, estariam relegados ao olhar de pena dos pais  ("mais um pra servir de isca"),  ou então às esperanças nunca abandonadas das mães ("Olha a voz! Olha a voz! Com  uma voz esganiçada dessas a gente põe ele num alto qualquer e ele consegue gritar "olha o alce" antes de qualquer um! Fala que não é útil", diante do olhar de descrença do resto da tribo.)
Assim, a cada conquista, carrão, exibição insuportável de nariz empinado, arrogância, etc., dos baixinhos de hoje, repousa o sentimento atávico de que têm que  provar alguma coisa, de que estão aqui  por um acaso e uma concessão da evolução social, um medo de que um dia os demais percebam que eles pegaram carona  numa janela de oportunidade evolucionária e não pertencem realmente ao grupo. Tudo o mais é diversionismo pra gente não ficar pensando o que eles já sabem no íntimo.
E aposto que muitos deles acordam suados de noite gritando "olha o antílope! olha o antílope!".

7 de dez. de 2009

Funções metafísicas do blog

Um buzinada é uma forma utilizada pelos motoristas para petrificar o pedestre na frente do carro de modo a atropelá-lo mais facilmente. Ontem, voltando do aeroporto, percebi claramente a tal função: pedestre começa a atravessar, sujeito buzina, o pedestre pára imediatamente e fica olhando com aqueles olhos de gazela esperando o ataque do leão, petrificado na frente do carro. Aliás, proponho substituir a buzina, a com função de alerta mesmo, por um botão mais distante no painel, para ser usado nas situações usuais de aviso, alerta, etc. No volante, a gente podia ter uma daquelas almofadas para criança, que você poderia socar, apertar, torcer, e ela faria barulho, guincharia, etc. Pelo que vejo, em 99% das vezes que os motoristas usam a buzina, o uso não tem absolutamente nenhuma relação com o trânsito, é só uma forma de expressar frustração, raiva, fúria, nervosismo, descontando a impotência diante da lerdeza do trânsito, do atraso iminente, etc. Botando uma "buzina interna" ele descontaria sua raiva sem incomodar o resto do mundo.

Esse blog foi, durante um tempo, uma forma de inserção de pílulas de observação da realidade - como o Muro das Lamentações de Jerusalém ter sido o primeiro SAC - Serviço de Atendimento ao Consumidor. Depois evoluiu para vídeos e achados na net, além de publicações extemporâneas de textos. Também teve a função de blog mesmo, de formas mais pessoais de contações de vida. Foi tomando um formato de publicação de textos feitos para colunas ou publicações em papel, reproduzidas em meio digital (com o aparte óbvio de que foram feitos para publicação em papel, mas não chegaram a sê-lo). E aí foi ficando mais sério, mais "difícil", também. E complicado de escrever, sempre com vontade de que fosse algo sério, algo bom, algo com "valor literário". Hora de voltar à parte gostosa de ser simplesmente catártico, às vezes bobo, às vezes não, e depois separo o joio do trigo - ou o jocoso do trigo.