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.....Machado de Assis gostava de uma frase em latim que era homo sum: humani nihil a me alienum puto. Belíssimo, é um verso de Terêncio, e diz sou homem: nada do que é humano me é estranho. Antigamente, junto com o conselho de Rimbaud quanto ao dérèglement de tout les sens - o desregramento de todos os sentidos, tive a ambição juvenil de me atirar em todas as experiências sensoriais, beber a vida em grandes goles para, ao terminar a aventura humana, poder dizer essa frase orgulhamente, como um capitão de longo curso de Conrad ou Hemingway. Mas não era sobre isso que eu queria falar.
.....Machado terminava essa frase sempre antes do puto - tinha medo de ser mal interpretado. Puto, putus, puta, putum, putare, putavi, putatus: crer, acreditar, em latim. Mas convenhamos que é muita putaria mesmo pra um verbo em latim.Ou era: atualmente, além da raridade com que usamos latim, puto e suas putarias deixaram de ser verba non grata e podem ser usados à vontade sem causar desconforto. Tempora mutantur, nos et mutantur in illis, os tempos mudam e mudamos com eles. Mais recentemente, essa frase que o Machado temia usar pelo puto e suas conotações putativas(!), demonstra o caminho dos preconceitos de duas formas diferentes: o feminismo (ou melhor, o politicamente correto), de um lado, e a homofobia, do outro. Alguns autores, nas últimas décadas, usaram de todas as formas possíveis para evitar o homo, por suas implicações sexuais - "sou homo suas nêga", no dizer do branco homófobo. Colocavam o próprio nome, mudavam a voz, o sujeito, tudo para evitar a palavra proibida e suas conotações. Também mais recentemente, alguns autores trocaram o homo pelo humanum, por conta do politicamente correto: o sou homem pelo sou humano, o que torna a frase óbvia, além de perder completamente o poético. A idéia é de que usar homem para representar o gênero humano é incorreto e depreciativo com as mulheres. Pode até ser, mas conta isso pro Terêncio... Sobre essa igualdade entre homens e mulheres, fiquei espantadíssimo ao descobrir que só depois da Segunda Guerra as mulheres francesas tiveram direito a voto! E os direitos dos negros nos EUA somente foram assegurados e igualados aos dos brancos na década de 60. O tempora, o mores! Ah, o tempo, os costumes! Cícero já os achava atrapalhados há dois mil anos. Atualmente estamos cada vez mais próximos de resolver - ou minimizar até o aceitável - uma boa parcela desses preconceitos. Mas, macacos nus que somos, e vendo o reflexo da nossa incompreensão mútua nessa simples frase, com certeza criaremos outros. Humani nihil a me alienum puto.
Um comentário:
Genial!!!!!
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