O pintor Degas certa vez confidenciou ao seu amigo, o célebre poeta-inventor Mallarmé, que achava que poderia ser um excelente poeta - "tenho dezenas de idéias simplesmente maravilhosas para poemas", disse ele. Mallarmé retrucou: "Mas Degas", disse rindo, "não são com idéias que se fazem poemas, são com palavras!". Mesmo na prosa, idéias, filosofias, histórias não constroem um grande livro - muito menos o transformam em um clássico. O que se vê nos livros não é um imperativo moral, ou ensinamentos, ou filosofias: os grandes livros, os livros permanentes, nos mostram a força pura e bruta do humano, em suas dúvidas, idiossincrasias, brutalidades, invenções, fraquezas, vilanias, heroísmos, rebeldia... tudo que fomos, somos e podemos ser emerge de páginas fantásticas da literatura mundial. E páginas e páginas continuam a ser produzidas simplesmente porque a aventura humana não se esgotou, e não se esgotará. Os grandes criminosos de Dostoievski, os arrivistas de Balzac ou os vilões de Shakespeare não são modelos de comportamento, mas são modelos de alma: as profundezas e recônditos da mente humana. O Satanás de Milton é um exemplo de força, determinação e beleza, mesmo que seja também o arquétipo do mal - o Mefistófeles de Goethe no final é sobrepujado tanto em inventividade como em vilania por Fausto, mas este, cheio de facetas e sutilezas próprias da raça, consegue ainda redenção, mesmo com ajuda de outra pessoa. O que nos encanta nessas páginas é a beleza de sua construção, utilizando enredos e situações como cimento e a alma humana como os tijolos dessas obras belíssimas. Um trecho do Gibbons:
"Possuía uma biblioteca de 35.000 exemplares e 60 concubinas; e pelo número de filhos e obras que deixou após si, tanto uns quanto outras eram objeto antes de uso que de ostentação."
Certamente o sujeito não é um modelo de comportamento, mas a prosa do Gibbon sim.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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