O homem pode ter vindo do macaco. Mas todas as notícias de Brasília indicam que já está pegando o caminho de volta.
.....Há algum tempo escrevi sobre a peça Casa de Bonecas, do Ibsen (download aqui) - onde a personagem Nora, no final, diz que não quer ser feliz como mulher, mas como ser humano - não quer se limitar ao papel de esposa, à circunscrição social então imposta como papel da mulher. A obra é de 1879 e deve ter causado certo impacto na época.
.....Mas o que despertou a minha lembrança foram dois fragmentos: o nome Marguerite de Navarre, numa dedicatória de Rabelais, e um blog que recebi via rss, do JBOnline. A lembrança do nome de Marguerite de Navarre é mais antiga, e procurei a respeito dela já há algum tempo - a Wikipédia em português traz somente que ela é "irmã de Francisco I". Foi muito mais que isso: amiga de Rabelais e Erasmo, protetora de João Calvino, mandou traduzir Bocaccio para o francês, e, inspirada no Decamerão, escreveu sua própria obra, chamada L'Heptaméron. Já foi considerada a "primeira mulher moderna" - se há coisa de um século ainda era tratada como uma figura menor do Renascimento, hoje é vista como uma pioneira da narrativa feminina e já com uma visão essencialmente moderna, onde a veracidade da narrativa é decidida não só pela realidade mas pelo ponto de vista de quem fala. A crítica Patrícia F. Cholakian vê o Heptaméron como uma transição do romance de cavalaria para uma história do ponto de vista da mulher sobre as escolhas, sofrimentos e lutas femininas. Parece mais feminista do que é: os contos são basicamente historias "morais" onde a virtude do amor casto, da pureza, do amor platônico, levam a melhor sobre o sexo, os desejos e intenções "tipicamente masculinas". Mas a narrativa oferece os dois pontos de vista, embora invariavelmente os argumentos a favor do primeiro tendam a vencer. Desnuda a relação homem-mulher de uma forma levemente maniqueísta, onde os homens tendem a obedecer a impulsos mais "selvagens" e sexuais e as mulheres a serem mais platônicas, puras e românticas, o que não deixa de ser estereotípico de ambos os lados. Mas isso num livro publicado em 1559 e escrito provavelmente uns 20 anos antes. Versão em inglês aqui.
.....Com isso veio a lembrança da peça de Ibsen, e, depois, da viúva de Bath, do Chaucer: a viúva (de cinco maridos) "prova" com sua narrativa que os casamentos podem e são bem sucedidos, desde que o marido "renda-se" à soberania da mulher. Sobre todos os ditos sobre submissão feminina (especialmente hilário o uso que ela faz de São Jerônimo), ela conta uma historinha sobre um leão a quem é mostrado uma pintura de um homem matando um leão: "quem desenhou isso, um homem?", pergunta o leão, rindo-se da confirmação, como a dizer que obviamente um homem faria o desenho dessa maneira, mas se fosse um leão a ter feito o desenho o enredo seria diferente... de novo, como em Ibsen, em uma história escrita por homens, o que leva à percepção de que pelo menos parte da nossa "raça homem" não é assim tão simplória como pinta-se.
.....Claro, isso é uma gota no oceano literário, mas pelo menos mostra como a questão não foi em nenhum momento pacífica. Aliás, pouquíssimo pacífica: a liberação feminina em Languedoc e Provença chegou a ser citada como um dos motivos da Cruzada Albigense, no século XIII, que esmagou os cátaros, albigenses e seus costumes famigerados, como mulheres herdarem e cuidarem de suas posses, ou, heresia ainda maior, casarem com quem quisessem.
.....Bom, vamos à madeleine: essa digressão toda voltou a ser pensada por conta do tal blog, que se chama Cara de Marido. Uns trechos abaixo e o link aqui. Mas como a frase que abre o post, em certos momentos a evolução parece uma chacota e não uma teoria.
"Ouviram minhas lamentações e me deram conselhos diferentes, porém complementares. A pergunta em questão era: “Vocês concordam com a máxima que diz: para esquecer um ‘amor’, só arranjando um novo?”.
Minha amiga de pronto disse que concordava, que achava praticamente impossível se desligar de alguém, sem que um alguém novo entrasse em jogo. E então, puxou minha orelha com a frase: “Van, solteiro não pode ter preguiça”. Eu fiquei pensando no quanto isso fazia sentido. Muitas vezes ficamos esperando o cara de marido bater na nossa porta, e baby, ele não vai bater. Pelo menos, não assim do nada."
.....Mais um trecho de pura sabedoria oriental:
"Entretanto, o seu cara de marido está aí fora, em qualquer lugar, apenas esperando uma brechinha do destino pra te encontrar. E SE naquele dia, você resolveu ficar em casa? Ou pior, SE naquele dia, você resolveu sair de qualquer jeito de casa? Você vai dizer, “mas Van, eu sou mais do que uma aparência, uma roupa, uma make up”. "
.....Ok, ok, depois faço um post "puro" sobre Marguerite & Rabelais e paro de perder tempo lendo tudo quanto é besteira que me mandam. Mas que de vez em quando parece que desperdiçamos séculos, parece.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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