..........Uma pesquisa relativamente recente chegou às minhas mãos, com alguns dados esclarecedores: 19% do americanos acham que estão entre os 1% dos americanos de maior renda do país, o topo do topo da pirâmide. E outros 20% acham que estarão entre os 1% de maior renda em algum momento da vida. Somados, 39% dos americanos acham que estão ou estarão entre os 1% de maior renda no país, algo em torno de 2 milhões de dólares por ano. Outros quase 40% acham que mudarão de estrato social e subirão na pirâmide de renda. Tal nível de expectativa pode explicar boa parte da ojeriza americana frente à distribuição de renda, políticas inclusivas ou aumento de impostos - se juntarmos a isso a "ética protestante", em que o trabalho (e a acumulação) é dever e dignidade do homem e a riqueza quase uma distinção moral, temos uma sociedade extremamente individualista - quase um aglomerado de indivíduos com altas expectativas - e chance quase zero de um consenso em torno de objetivos comuns ou comunitários. Se isso reforça os laços comuns e as exigências de retorno de impostos em forma de serviços em comunidades ou grupos menores, propaga-se como exigência de manutenção do status quo quando se trata de políticas de maior alcance global. Os exemplos de revolta contra o "intervencionismo" do estado podem ser notados desde os protestos contra "invasão" em assuntos locais, como educação ou porte de armas, até a quase revolta contra o novo sistema de saúde, que incluirá mais de 10 milhões de pessoas que antes não tinham acesso a qualquer tipo de assistência médica.
..........Essa simplificação acima pode explicar os americanos, mas não nós. Aqui acredito que devamos o atraso e a desigualdade de renda não só ao modo capitalista de produção, mas à replicação de estruturas sociais caquéticas que se multiplicam desde os tempos coloniais. Caciques e coronéis, sesmarias e cartórios, um completo alheamento da coisa pública em relação ao público, séculos de estratificação social - Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro já faziam retratos acurados dessa "doença" uns quase 80 anos atrás (Casa Grande, por exemplo, é de 33). Mas o diagnóstico não é novidade - o interessante é a capacidade das "classes superiores" de propagar a manutenção desse sistema excludente mesmo em sistemas liberais democráticos onde teoricamente tais questões poderiam ter uma decisão comunitária e por voto. Lula, ávido pelo poder, assinou uma Carta aos Brasileiros onde fez um mea culpa e jurou ao capital internacional que não faria nada radical em favor dos 60 milhões de miseráveis de então. As outras propostas passam por um sistema arcaico de totalitarismo com implantação de engenharia social estatal, como nos regimes comunistas uma vez defendidos pela Dilma - os avanços de Cuba, China e União Soviética passam pela contabilidade dos milhões de assassinatos em prol do bem maior... um colega comunista fez uma contabilidade assustadora de quantos brasileiros que morrem de fome, de drogas (não tinha viciados na União Soviética?), violência urbana, etc., seriam "salvos" pela cubanização do país, algo em torno de milhões. Não aceitou que eu colocasse do outro lado da coluna contábil os milhões de Stálin e Mao, nem os milhares de Fidel - só as centenas dos paredões, justificados porque estavam "em guerra".
..........As expectativas dos americanos e brasileiros e as estruturas, laços, arquétipos e autoimagens sociais são os principais adversários de qualquer política real de inclusão social. O convencimento de que algo deve ser feito e pode ser feito, entretanto, devia começar comigo! Não vejo nenhuma proposta real de mudança, de nenhum lado. Nem mesmo os sonhos totalitários são apresentados como alternativa. O "Estado Grande" é só mais uma figura paternalista, coronelística e cartorialista que vai ser montado pelas máquinas partidárias. O mantra do Mencken - de que ninguém nunca perdeu dinheiro apostando contra a decência humana - ganha contornos de verdade salutar se acrescentarmos que a decência humana sempre cede ao interesse individual. Entretanto, não faltam sonhadores - porque a realidade é obviamente dissonante? Tem sido assim já há milênios! E há dois séculos temos a indignação dos sonhadores socialistas... eu tenho grande simpatia pessoal pelos socialistas utópicos e científicos, mas não pelas suas soluções. Quem dentre nós, vendo toda essa miséria, desigualdade e injustiça, não se sentiria como Engels, que "em Londres viu o maior aglomerado humano que jamais conhecera, porém aquelas pessoas lhe pareciam átomos. Aquelas "centenas de milhares de indivíduos de todas as classes e categorias que se acotovelavam" não eram, não obstante, "seres humanos com as mesmas capacidades e faculdades, e com a mesma vontade de serem felizes? E, em última análise, não serão eles obrigados a buscar a felicidade do mesmo modo, através dos mesmos meios? E assim mesmo acotovelam-se como se nada tivessem em comum, como se um nada tivesse a ver com o outro, como se o único entendimento que houvesse entre eles fosse o acordo tácito de que cada um deve ficar em seu lado da calçada, para não atrapalhar a correnteza que vai no sentido oposto, e jamais ocorre a ninguém a idéia de conferir a um de seus semelhantes um olhar que seja. A indiferença brutal, o isolamento insensível de cada um em seus interesses pessoais, é tanto mais repelente e ofensivo quanto maior o número de indivíduos arrebanhados num espaço limitado."
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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