Um dos "pecados" de Borges, a meu ver, é sua falta de humor. Ele é talvez sério e autoconsciente demais, embora toda a sua obra seja uma refinada ironia da realidade. Entretanto, essa ironia às vezes ultrapassa a metalinguagem e a metafísica (seria mais correto se se entendesse que essa metafísica se refere a realidades inventadas) e comete construções e descrições deliciosas. O estereótipo perfeito do inglês, abaixo:
"Alguma lembrança limitada e diluída de Herbert Ashe, engenheiro das ferrovias do Sul, persiste no hotel de Adrogué, entre as efusivas madressilvas e no fundo ilusório dos espelhos. Em vida padeceu de irrealidade, como tantos ingleses; morto, não é sequer o fantasma que já era então. Era alto e apático, e a sua canosa barba retangular havia sido ruiva. Creio que era viúvo, sem filhos. De tantos em tantos anos ia a Inglaterra: visitar (julgo eu por umas fotografias que nos mostrou) um relógio de sol e uns carvalhos. O meu pai estreitara com ele (o verbo é excessivo) uma dessas amizades inglesas que começam por excluir as confidências e que muito em breve omitem o diálogo."
Tlön, Uqbar, Orbis Tertius
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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