Não era uma música do Caetano que dizia que "o Haiti é aqui"? Os níveis de nossos bolsões de pobreza continuam comparáveis aos de lá. A violência nas nossas favelas só não é comparável porque as nossas ganham das de lá, relativamente "pacificadas" há algum tempo.
Um estudo conduzido em algumas comunidades nordestinas (na década de 70, mas vá lá, não melhorou tanto assim) descobriu que o tal "instinto maternal" achou uma estratégia evolutiva e na região do estudo só se mostrava depois que a criança atingia determinada idade, tal a taxa de mortalidade infantil - uma forma de preservar emocionalmente a mãe. Vi a reportagem, com uma senhora, os olhos distantes, dizendo "meus filhos são muito morredô"...
As enchentes em Santa Catarina, os deslizamentos no Rio e, agora, a tragédia-mor no Haiti: nesses momentos, pululam heróis. E deve ser assim mesmo, não estou querendo o descaso, não. Mas queria mais.
Um bombeiro entra numa casa em chamas, arrisca a sua vida e salva uma criança. Outro se atira numa correnteza e salva uma senhora do afogamento. Heróis, sim, conhecidos e anônimos. Mas a criança, posta num lar, alimentada dia a dia, cuidada, com carinho, com paciência, amor, isso não chamamos heroísmo. Mas é dele que precisamos - somos muito bons em reagir a situações extremas, mas somos de uma extrema covardia para lidar com situações de longo prazo.
Passamos ao lado de mendigos caídos, de crianças desnutridas, de drogados em suas poças nojentas de vícios - passamos diariamente, nem prestamos atenção mais. Não nos responsabilizamos pelo "estado da nação", não somos culpados pelo sistema, não temos nem queremos voz sobre o destino político, econômico ou social do povo, da nação. Mas se uma enchente ou um terremoto nos atinge, botamos nossas capas e saltamos crateras, salvamos vidas, uma, duas, dez. Voltamos pra casa com o sorriso dos justos. E no dia seguinte passeamos entre os escombros dessa nossa sociedade, indiferentes, condenando gerações.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
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