Um meu amigo, autor de alguns livros de relativo sucesso (nenhum bestseller, entretanto), ao encontrar algum leitor que dizia: "Li seu livro e..." interrompia imediatamente: "Ah, foi você!". Como se soubesse ter um só leitor e se espantasse por encontrá-lo assim, no meio da rua. Ou então se espantasse mais ainda com o fato de alguém de fato ter lido o que ele escreveu.
Meu caso é até um pouco pior: como escrevo um blog que não tenho muita intenção de divulgar, enviando posts por email para alguns poucos amigos, acabo conhecendo a maior parte dos meus leitores (sei que só lêem alguma coisa e de vez em quando, a paciência não dá pra tanto, claro). E ultimamente tenho escrito cada vez menos.
Foi inicialmente um exercício quase de "journal", de diário, como aqueles adolescentes, mas tentando dividir coisas e conhecimentos que tinha, colecionador que sou - vídeos, fitas em VHS guardadas por séculos, dvds e cursos garimpados aqui e ali, livros e tirinhas colecionados desde sempre. Uma espécie de abertura de baú de guardados.
Evoluiu para incluir uma certa memorabilia, os casos e causos de Salinas, os meus, as besteiras e irresponsabilidades, os amigos e loucuras, etc. Aos poucos, foram se imiscuindo textos mais ou menos literários, filosóficos, com opiniões sobre tudo e todos, seguindo a afirmação do Otto Lara de que, como bom brasileiro, sei os três primeiros minutos de qualquer assunto.
Serviu todo esse tempo para testar escritas, discursos, parábolas, hipóteses, hipérboles... mal ou bem, minha maneira de escrever saiu diferente. Mas o "público", por pequeno que fosse, tinha suas preferências, fossem os causos, fossem as loucuras e viagens. Infelizmente, tive nos últimos tempos um bloqueio muito forte para escrever: não consigo, pelo menos não por enquanto, escrever sobre coisas que não ocupam minha mente. Acho que até me faria bem ir para um buteco e sentar e contar causos como nos velhos tempos. Ou "mergulhar minha pena no inferno" e sair esculhambando uns e outros. Ainda é uma diversão, isso, não nego. Mas a cabeça agora anda à procura de respostas sobre a formação do herói civilizador, dos gregos ao santo de Unamuno, Nosso Senhor Dom Quixote. De como sociedades inteiras passaram a ter vontades além das próprias necessidades, deixaram a afluência da natureza pela miragem satânica da técnica ou pela promessa deificante e demiúrgica da ciência, das respostas sobre o universo - desejo de que compartilho, inclusive. Quando o saber tornou-se primordial para a espécie? Ou é um subproduto do progresso técnico científico, brincadeira de gente à margem que só é realmente respeitável quando útil?
Junto a essas indagações, debruço-me sobre a minha "bela loucura", que é entender o argentino louco, Borges - traçando suas origens em rapsodos e skalds, o rompimento do eu autoral com deixar de lado reivindicações de autoria e passar a "acusações" de autoria, basicamente inventando autores e textos ou inventando textos para autores reais e vice versa, ao mesmo tempo que dilui e fragmenta os famosos cronotopos de Bakhtin - uma espécie de profeta-avatar da pós modernidade e da diluição das identidades.
A "undécima tese" de Marx sobre Feuerbach dizia que era hora dos filósofos pararem de interpretar o mundo e começarem a transformá-lo. Não mais que cinqüenta anos depois Eliot abandonou a filosofia por saber que os filósofos são bons com idéias, mas a origem e a "verdade" encontra-se nas palavras. Como Mallarmé para Degas, quando este disse que tinha ótimas idéias para fazer poesia: "Mas não são com idéias que se faz poesia, e sim com palavras". As visões de fragmentação de realidade, tempo, espaço, identidade e discurso talvez formem uma nova armadura para o Santo de Unamuno, e este, o Dom, na sua loucura e tragicidade, transforme-se no último dos heróis.
Bão, é isso... o que queria dizer mesmo é que esse blog transforma-se em algo bastante árido e talvez semilouco, a partir de hoje. Divagações, contos, teorias... aos que não quiserem (ou agüentarem a chatura), agradeço a paciência até aqui, com o maior prazer de ter tido sua companhia, mesmo, mesmo. Aos demais, tão loucos quanto eu por perderem tempo comigo, cutuquem, comentem, gritem, xinguem... ninguém mais do que eu tem menos idéia de onde isso vai dar.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
4 comentários:
Sem beijokas por favor! Gostei do seu estilo! Seria interessante vê-lo escrever sobra as mazelas da política nacional! Grande abraço!
Ok, Menezes, sem beijocas... hahaha
Bueno, Max, é isso aí. A vida se compõe de fases. Mas, semilouco? Divagações? contos? teorias? uai, não entendi a diferença. hahaha
Beijokas
A diferença vem de uma tradução de Millôr sobre Shakespeare: dizia ele que quando um personagem diz "goles", no palco, ele não pode parar e se voltar para a platéia dizendo "goles quer dizer vermelho em heráldica". Da mesma forma quando digo "bela loucura" não vou parar e dizer que era uma frase (erez morta bela foldatz) dita quando morreu o trovador Raimbaut d'Aurenga... ou talvez sim, em notas. Mas não vou mais fazer texto explicando, talvez use notas para isso, talvez não... completamente indefinido ainda...em termos de diferença, realmente, tem razão! hahaha
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