(Para o Leo)
O Facebook às vezes me inspira: principalmente o de alguns amigos, que vão compartilhando idéias, pensamentos soltos, um mosaico de interesses que vão dando uma idéia meio psicodélica, em retalhos, do que "anda por aí". Um comentário no mural do Leo Gonçalves (poeta e tradutor que é um dos meus "sempre encontráveis" segundo a idéia do Rosa) dizia - acho que um amigo dele, na verdade - que podia ter até alguns erros de português, mas de brasileiro, nenhum. O Stephen Fry diz que não há má gramática, só má sintaxe - pensamentos expressos de forma inconsistente, o que seria o único problema. Claro que há por aí terríveis exemplos disso, e às vezes me surpreendo com um amigo ou outro que é super articulado "oralmente" e quando escreve é um desastre - não um desastre ortográfico ou gramatical puramente, que me é irrelevante, mas ruído mesmo entre o que ele queria dizer e o que eu supostamente deveria entender.
Eu, às vezes, faço o contrário: quando escrevo expresso todos os pensamentos, talvez por reler e rever idéias, mas, pessoalmente, expresso metade do que penso, deixando a outra metade na cabeça, e aí o pobre do ouvinte tem que juntar os pedaços e inferir o resto pra fazer sentido.
Bão, até não era disso que eu queria falar, é que sobre os "erros de brasileiro" ou "erros de português", tem um com uma história que eu acho interessantíssima, por ter uma origem "super culta" e ser usado oralmente como se fosse uma gíria vulgar: busilis, criado por uma infeliz tentativa de tradução do latim por Felipe Segundo da Espanha. Cito Rodolfo Ilari: "Conta-se que, ao deparar-se com a expressão “in die busillis” (naqueles dias), no meio de uma tradução latina, o futuro rei separou “in die busillis”. A partir dessa separação, ele conseguiu traduzir “in die” (no dia) mas ficou com o problema de traduzir “busillis” (que não significa nada). Até hoje, quando se quer apontar uma dificuldade, pode-se dizer, em espanhol: “aquí está el busílis”, “aqui está o nó da questão”."
De certa forma, uma tradição real, já que um caso similar aconteceu com Sigismundo, imperador do Sacro Império Romano-Germânico em 1414. Ele usou a palavra cisma, schisma, que em latim é neutra e para nós é masculina (no sentido de separação, "o cisma"), como se fosse um substantivo feminino. Como alguns bispos tentaram alertá-lo e corrigi-lo, ele resolveu decretar que dali em diante a palavra passasse a ser usada no feminino, por força de lei, ao que um bispo mais corajoso interpôs o "caesar non supra grammatica": o rei não está acima da gramática. O rei não. Mas o povo, sim. A oralidade e as transformações diárias são uma das mais belas formas de manifestação cultural que conheço. Acho que a gente passa tempo demais estudando as "fôrmas" da língua e tempo de menos estudando suas significações.
Entrelinhas, entremontes
Há um ano
Um comentário:
Môço, juntando o pedacinho que ficou ai na cabeça, acho que essa é a origem "da cisma" no sentido da teima... Ou eu cismei que é isso?
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